Na infância vivi em povoados rurais do norte de Portugal. Os camponeses eram quase todos analfabetos e não tinham acesso a jornais, rádio, muito menos TV. Lembro do meu espanto com sua capacidade para saber quando estava na hora de semear ou colher o milho, a cenoura e outras espécies agrícolas. Que misterioso “instinto” do tempo possuíam essas pessoas simples?
Não é à toa que o calendário é um dos avanços mais antigos da civilização. Para as populações nômadas de caçadores-coletores era muito importante conhecer o tempo para acompanhar as migrações das espécies de caça ou conduzir os rebanhos para novas pastagens. E com a sedentarização e a invenção da agricultura tornou-se ainda mais crítico poder localizar o presente dentro dos ciclos a que está sujeito o nosso planeta, especialmente os ciclos anual e mensal.
A arqueologia comprova que métodos para marcar o tempo, por exemplo por meio da posição dos astros, remontam ao neolítico, entre 12 mil e 6.000 anos atrás. Já os primeiros calendários conhecidos surgiram na idade do bronze, há cerca de 5.000 anos, juntamente com a invenção da escrita, na Suméria, no Egito, na Babilônia e na Assíria.
O principal problema do calendário reside no fato de que o ano (órbita da Terra em torno do Sol) e o mês (movimento da Lua em torno da Terra) não correspondem a números inteiros de dias. No século 11 os persas já sabiam que um ano contém 365,24219858156 dias, o que é notavelmente preciso.
O calendário dos babilônios consistia de 12 meses lunares, iniciados a partir da observação da Lua, juntamente com um período intercalar de alguns dias para completar o ano. A república romana usava uma variação desse calendário, mas o fato de que o período intercalar era definido por decreto político originou abusos, que levaram Júlio César a fazer uma reforma. O calendário juliano perdurou até o século 16, quando foi sendo substituído pelo calendário gregoriano que usamos hoje.
O aprimoramento do calendário motivou avanços científicos importantes, especialmente na matemática e na astronomia. Mas a importância crucial da contagem do tempo para a vida das pessoas significa que essa atividade também esteve sempre ligada à política e à religião.
O que me leva de volta aos povoados da infância. Uma fonte de informação a que os camponeses tinham acesso era a igreja. Por meio dela ficavam sabendo os dias dos santos. Então, bastava memorizar as datas das sementeiras e colheitas relativamente a esses dias.
Afinal, ninguém precisa de instinto misterioso para lembrar que o momento certo para provar o vinho novo, e comer castanhas assadas, é no São Martinho, 11 de novembro.
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