Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

O que querem as mulheres matemáticas, afinal?

Elas não querem privilégios, mas sim competir em 'jogo' mais justo

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No fim de julho, por dois dias, aconteceu no IMPA o primeiro Encontro Brasileiro de Mulheres Matemáticas (EBMM). Na programação, palestras científicas, apresentações de jovens, tutoriais, mesas redondas e muitas discussões sobre o papel da mulher e a questão da diversidade na ciência. Com quase 500 participantes, mulheres e homens, foi um enorme sucesso. 

Mas claro que não foi unanimidade. Um colega escreveu-me queixando-se: “Nunca vi evento de matemática excluir mulher, este é o primeiro em que vejo exclusão”. Respondi discordando das duas afirmações. Primeiro, o EBMM esteve aberto a todos: a participação masculina num evento como esse é da maior importância. Segundo, embora (na maioria dos países) mulheres não estejam proibidas de participar em atividades científicas, mecanismos de exclusão mais sutis, mas muito eficazes, infelizmente continuam em ação.

Quando a família incentiva o filho, mas não a filha, a ter bom resultado na Olimpíada de Matemática, a menina está sendo excluída. Também é exclusão quando o orientador recusa uma aluna porque ela pode engravidar durante o doutorado. Quando uma mulher deixa de participar numa conferência porque não tem com quem deixar os filhos, está efetivamente sendo excluída. Homens não têm problemas desses... 

Assim, mulheres talentosas vão sendo afastadas do ambiente da ciência, para prejuízo de todos. Vemos esse efeito na Olimpíada de Matemática, com o percentual de medalhistas meninas caindo com a idade – são 31% no Ensino Fundamental e apenas 19% no Ensino Médio. 

Quando uma mulher deixa de participar numa conferência porque não tem com quem deixar os filhos, está efetivamente sendo excluída. Homens não têm problemas como esse...
Quando uma mulher deixa de participar numa conferência porque não tem com quem deixar os filhos, está efetivamente sendo excluída. Homens não têm problemas como esse... - Vancouver Island University/Flickr

O colega protesta que “o homem não é o inimigo” e está certo. Mas, por isso mesmo, precisamos ser parte da solução. As desvantagens que as mulheres enfrentam são tanto estruturais quanto culturais. A mudança começa nas mentalidades.

Um usuário das redes sociais protesta que “as mulheres querem privilégios”. Mas o que ouvi no EBMM foi o pleito, de mulheres cuja trajetória profissional eu respeito, de que a sua contribuição seja reconhecida em pé de igualdade e que as especificidades – maternidade, responsabilidades familiares– sejam levadas em conta, exatamente para que o “jogo” seja mais justo. As agências europeias de pesquisa já fazem isso em suas avaliações de desempenho.

“Qual é o problema de haver menos mulheres do que homens nas ciências?”, questiona outro internauta. O problema é que isso é fruto de fatores sociais, estruturais e culturais discriminatórios, que nos privam da contribuição de metade da humanidade. Tenho duas crianças e quero que a minha filha tenha as mesmas oportunidades que o irmão para escolher sua trajetória profissional e ter sucesso em sua escolha.

Afirmações de que “mulheres não dão para a matemática” ou “homens são provedores, mulheres são cuidadoras” têm tanta base científica quanto “manga com leite faz mal”: nenhuma. Afirmações assim também são aplicadas a raças, para justificar discriminação. Já deveríamos ter aprendido a lição.

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