Marco Aurelio Ruediger

É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

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Marco Aurelio Ruediger
Descrição de chapéu Eleições 2018

As cinzas de um país

Sem história nada é possível na utopia de construção permanente de uma nação cultural

O incêndio que consumiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro foi um golpe duríssimo na cultura do país e na própria cidade que o abriga. As cenas da queima do museu, no entanto, não traduzem apenas a imensa e irreparável perda para a cultura. Suas cinzas são mais um testemunho de que há em curso uma falência estrutural no nosso projeto de nação que tem de ser evitada.

Um projeto de construção nacional requer robusta e contínua constituição e aprimoramento institucional e cultural, eixos fundamentais à afirmação de sua existência e perpetuação como projeto coletivo de vontade, propósito e poder. Sem isso, não há um porquê de existir, uma razão, enfim, que justifique as decisões e sacrifícios à sua preservação e desenvolvimento.

O incêndio do museu é muito mais do que um triste episódio. Sem cultura, sem história, sem um lugar de saber, e de se saber, nada é possível na utopia de construção permanente de uma nação. Nesse caminho, brasileiros, temos insistido teimosamente e até, pode-se dizer, heroicamente na ideia de construção nacional.

Assistiu-se pelas redes sociais, em poucas horas, uma explosão de mais de milhão de menções de luto e indignação com o ocorrido. Ainda assim, por todo o espectro político alguns atribuíram à falta de recursos ou ao governo o ocorrido, eximindo-se e eximindo nosso leviatã —seja cartorial ou oligárquico— de responsabilidades. Essas são as elites de nosso status quo obsoleto.

Alguns fatos: falta de prioridade e gestão, visto que só de renúncia fiscal tem-se R$ 1,5 bilhão ao ano pela Lei Rouanet, sem falar do Orçamento federal, que comportaria hoje mais investimentos culturais; vaga há anos pelas repartições federais (UFRJ/Iphan/MinC) o projeto de reforma do museu, alceando administrações de partidos distintos; deixa-se um museu desse porte numa estrutura administrativa falida, como a da UFRJ. Uma pergunta fica, portanto: o Estado é importante, mas qual Estado?

Como uma estrutura desse tipo pode permitir ao país se integrar ao século da informação, no qual cultura e saber são elementos centrais ao desenvolvimento e à soberania? Ele tem um sentido de assim sê-lo, mas esse sentido não corresponde mais ao tempo do mundo.

Os maiores museus articulam seu acervo com atividades culturais, debates e recreação. Vemos no British Museum, em Londres, no MoMA e no Metropolitan, em Nova York, dentre outros, uma gestão profissional, por fundações com conselhos ativos e contribuições públicas e privadas.

Nessa equação, o resultado é reinvestido na estrutura, no acervo e nos laboratórios de pesquisa associados. Estes fazem pesquisa e ensino, não administração ordinária. O mundo privado pode e deve se encontrar com seu equivalente público, mas esse deve ter sua estrutura absolutamente refundada.

Em jogo ao fim das próximas semanas não há uma eleição eventual, mas um momento de superação ou rendição ao atraso.

No incêndio, em suas causas, uma desconstrução simbólica do Brasil, pois o que se perdeu não foi um prédio e algumas obras, mas o conceito de se firmar em unidade na pluralidade e de reforço a fundamentos culturais humanísticos da nação. Significado e significante aí se encontram.

Em meio a uma eleição na qual o debate tradicional se amplia pelas redes com formas sofisticadas de disseminação de ideias em tempo real, mas que alguns insistem em propor mudanças para tudo permanecer, convido os leitores a deixar em cinzas somente o país do atraso. O Brasil é uma utopia civilizatória possível, mas para isso o obsoleto em todos os campos tem de ser superado.

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