Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Contaminação cruzada da Americanas adoece o mercado

Onda de insegurança levou ao saque de R$ 66 bilhões de fundos que tinham parte dos investimentos em títulos de crédito no Brasil

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Contaminação cruzada é uma das principais causas de doenças transmitidas por alimentos –as famigeradas salmonelas, a toxoplasmose e a amebíase, por exemplo. Ela explica como alguém que só comeu uma empadinha de palmito no bar acabou com um micróbio que vive na carne crua.

Não é feitiçaria, é microbiologia. A faca usada para fatiar o palmito cortara, antes disso, a carne infectada –e não foi higienizada como deveria. O fenômeno foi notado por um médico húngaro (Ignaz Semmelweis), em 1846. De lá para cá, não paramos de lavar as mãos, os pratos e os talheres. E morremos menos por esse tipo de problema.

Não há banho que impeça, entretanto, o rombo de R$ 20 bilhões das Americanas de derreter outros ativos do mercado financeiro. A onda de insegurança levou ao saque de R$ 66 bilhões de fundos que tinham pelo menos 15% de seus investimentos em títulos de crédito no Brasil, de acordo com levantamento do Itaú BBA. O estudo contou do dia seguinte ao anúncio do rombo (12 de janeiro) a 2 de março.

fachada de loja, em que se lê Lojas Americanas, com pessoas entrando
Fachada de loja da Americanas no shopping Nova America, no Rio. - MAURO PIMENTEL / AFP

Os fundos que mais apanharam foram os que permitem o saque imediato ou em poucos dias, chamados de fundos de alta liquidez. São usados normalmente para manter o caixa de empresas gerando algum rendimento.

E nessas horas, os justos pagam pelos pecadores, como quando toda a turma do colégio leva uma suspensão, por conta das traquinagens do grupinho mais bagunceiro.

Mesmo os fundos que não estavam expostos a papéis das Americanas sofreram saques. E os saques, em si, neste volume, levam à queda do valor das cotas. Como ninguém para uma bola de neve, outros investidores, ao verem a queda no valor das cotas, começaram a sacar também os seus investimentos nos fundos.

Para pagar os saques, gestores tiveram que se desfazer de bons ativos que tinham em carteira. E, na hora em que todo mundo vai vender, você já sabe, o preço tende ao chão.

Gestores de fundos que não tinham exposição ao varejo –e ficaram fora da onda de saques– contam que foi o momento ideal de comprar bons ativos, a preço de banana, de seus colegas abatidos. Além dos ativos, receberam os aportes dos investidores assustados.

Não bastasse a contaminação da indústria de fundos, ficou claro, nesta semana, como a possível fraude da Americanas apunhalou qualquer confiança em seus pares no mercado nacional.

Na sexta-feira (10), no primeiro pregão após a divulgação de seus balanços referentes ao quarto trimestre do ano passado, Magazine Luiza e Via (dona das redes Casas Bahia e Ponto) viram seus papéis (MGLU3 e VIIA3) derreterem na Bolsa.

Nos primeiros minutos de negociação, os papéis da Magalu chegaram a cair mais 11%. Depois, recuperaram a maior parte das perdas. Os da Via tombaram 12% e não voltaram nem metade disso até o fim do dia.

No caso da Via, as contas vieram com prejuízo bem maior do que o esperado pelos analistas do mercado. Mas a Magazine Luiza não. Ela apresentou um prejuízo de R$ 35,9 milhões, enquanto o mercado aguardava um buraco de R$ 83,5 milhões. Ainda assim derreteu.

Acontece que, praticamente ao mesmo tempo em que apresentou bons números, a Magalu anunciou estar investigando uma denúncia anônima de que haveria irregularidades no pagamento de alguns de seus distribuidores.

Não há quase nenhuma informação sobre o problema, além dos fatos de ser ligado a operações de bonificações e de a denúncia anônima ter citado três distribuidores, responsáveis por 3,5% do volume da área em 2022. O trauma da Americanas foi o bastante para que investidores quisessem se desfazer das ações antes de ouvir mais qualquer coisa.

Enquanto os responsáveis pelo caos da Americanas não estiverem devidamente identificados e punidos pelas autoridades competentes e não forem apontados mecanismos reais para impedir a burla à transparência, a insegurança (que já é enorme no país) torna impeditivo apostar a sério no varejo, um setor com papel essencial para o desenvolvimento nacional.

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