'Efeito Americanas' faz Magalu escancarar problema com fornecedor

Empresa revelou denúncia anônima sobre compras, no momento em que bancos analisam com lupa operações comerciais do varejo

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São Paulo

O Magazine Luiza informou em fato relevante nesta sexta-feira (10) que seu comitê de conduta e ética tomou conhecimento no último dia 6 de uma denúncia anônima sobre irregularidades envolvendo a área de compras da companhia. A denúncia fala de bonificação paga a funcionários do Magalu por três distribuidores que fornecem produtos à varejista.

O Magalu não revelou os nomes, nem as categorias em que operam estes fornecedores. Disse apenas que todas as compras de produtos destes três distribuidores no ano passado representaram 3,5% do total, ou seja, um montante a princípio pouco significativo.

O fato relevante, encaminhado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) nesta sexta, ocorreu paralelamente à divulgação dos resultados da companhia no quarto trimestre de 2022, quando a empresa observou um prejuízo de R$ 35,9 milhões, revertendo o lucro de R$ 93 milhões do mesmo período do ano passado.

No acumulado de 2022, o Magalu registrou prejuízo de R$ 499 milhões, na contramão do lucro de R$ 590,7 milhões apresentado em 2021.

Loja da Magazine Luiza em Belo Horizonte (MG) - Sindilojas BH/Divulgação

Na opinião de fontes do mercado financeiro e do varejo ouvidas pela Folha, em condição de anonimato, ao trazer uma denúncia anônima à tona, recebida às vésperas da publicação do balanço, o Magalu mostra que, assim como outras varejistas, a exemplo do GPA, quer tornar a sua operação a mais transparente possível para o mercado financeiro.

É o "efeito Americanas", cujo escândalo contábil de R$ 20 bilhões prejudicou parte da confiança dos bancos nas operações comerciais do varejo, especialmente as de risco sacado ou 'forfait' (adiantamento a fornecedores).

Segundo uma fonte do mercado financeiro, em tempos normais, um caso como este seria conduzido internamente, sem a necessidade de exposição. Mas, por se tratar de um momento delicado na concessão de crédito para as empresas em geral, especialmente para as varejistas, cujos balanços enfrentam maior escrutínio por parte dos bancos, expor eventuais "esqueletos" pode ajudar a resgatar a credibilidade.

Procurado, o Magalu informou que não daria entrevistas, só faria comentários na apresentação a investidores, realizada no início da tarde desta sexta-feira.

"Antes de falar sobre resultados, a título de transparência e abertura, características fundamentais da nossa companhia e do nosso time, eu queria mencionar que anunciamos, junto com os resultados, um fato relevante, em que está descrita uma denúncia anônima sobre supostas práticas comerciais em desacordo com o código de ética e conduta da companhia", disse o presidente do Magalu, Fred Trajano, logo no início da teleconferência com analistas e investidores.

O conselho de administração do Magalu, chefiado pela empresária Luiza Trajano, determinou ao comitê de auditoria, riscos e compliance, formado na maioria por membros independentes, a apuração dos fatos, assim como a contratação de especialistas externos independentes.

O comitê vai apresentar a conclusão ao final dos trabalhos, que já foram iniciados, segundo Fred Trajano. "No momento em que o mercado está sensível a estas questões, preferi abrir o call sendo objetivo em relação a este assunto", disse ele, informando que não poderia dar mais detalhes.

A Ernst & Young responde pela auditoria do Magazine Luiza.

Operação com bancos e fornecedores é de ‘ganha-ganha-ganha’

Durante a apresentação a analistas e investidores, Roberto Belissimo, diretor financeiro e de relações com investidores do Magalu, também quis dar detalhes sobre a operação de risco sacado da companhia. "Nas operações de antecipação, a gente paga o banco na data em que pagaríamos o fornecedor, e entre ele [fornecedor] receber antecipadamente e a gente pagar o banco, existe um prazo médio de 54 dias", afirmou. Segundo ele, são "operações usuais, dentro dos prazos típicos de mercado."

"Nosso prazo médio de compras hoje gira em torno de 90 dias. Isso quer dizer que, no meio do caminho, os fornecedores antecipam o pagamento. É uma operação ganha-ganha-ganha: o fornecedor recebe antecipadamente, o banco ganha o seu spread, a gente ganha uma parte do spread do banco também, dentro de certos convênios, por confirmar a operação para o banco", afirmou Belissimo.

Fred Trajano informou que não poderia dar mais detalhes sobre a denúncia que ainda está sendo apurada, porque seria uma "irresponsabilidade". "Uma denúncia anônima, ainda não investigada, não deveria tirar o brilho do resultado da companhia no último trimestre do ano passado", disse o executivo, afirmando que 2022 foi o ano do "monetismo", em que o Magalu fez uma série de ações para aumentar a rentabilidade da companhia em um contexto econômico difícil, "de ressaca do ecommerce brasileiro, no pós-pandemia".

Segundo ele, a operação de comércio eletrônico avançou 16% no quatro trimestre, para vendas de R$ 18 bilhões.

O comércio eletrônico respondeu por 72% das vendas totais do Magalu em 2022, que somaram R$ 60,2 bilhões, alta de 8% sobre 2021. A receita líquida cresceu 5,7%, para R$ 37,3 bilhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) aumentou 50,3% para R$ 1,9 bilhão.

Mas o resultado financeiro continuou negativo e cresceu muito: de R$ 689 milhões em 2021 para R$ 2 bilhões no ano passado.

Na opinião de especialistas ouvidos pela Folha, as varejistas em geral estão em um mercado de margens muito baixas e muito uso de capital. As muitas despesas com juros e os vencimentos de curto prazo muito grandes levam a um alto nível de endividamento.

Fred Trajano chamou a atenção para a preocupação do Magalu com a rentabilidade. "Temos a exigência de crescer com rentabilidade, nosso foco continua no aumento de margem", disse, lembrando que, para a varejista, diversificar o portfólio é fundamental, mas a ordem é aumentar as vendas de produtos de maior tíquete-médio.

"Vamos ganhar participação em produtos acima de R$ 300 e continuar dominando a categoria acima de R$ 1 mil", afirmou o executivo, que vê, no entanto, espaço para crescer nas categorias entre R$ 100 e R$ 300.

Comércio eletrônico sem frete grátis e com repasse de imposto

Há 22 anos trabalhando na área de comércio eletrônico, Fred Trajano afirmou que nunca viu um mercado "tão racional" quanto agora. "Todo mundo está querendo dar lucro, o que significa repassar imposto, custo de gasolina para o frete, ser racional no marketing", disse.

"É um cenário que a gente gosta de trabalhar, em que todo mundo joga sob as mesmas regras. A gente nunca teve licença para queimar caixa", afirmou, em mais uma citação velada à Americanas, cujos preços promocionais sempre intrigaram a concorrência.

A preocupação com rentabilidade, diante das altas taxas de juros, tem sido uma tônica no varejo. No último dia 14, durante evento promovido pelo BTG Pactual em São Paulo, o presidente da Via (dona de Casas Bahia e Ponto), Roberto Fulcherberguer, afirmou que se sentia um "alienígena" ao falar de lucratividade quando chegou à empresa, na metade de 2019. "Ninguém queria saber disso, só falavam de GMV", diz ele, referindo-se à sigla de ‘gross merchandise volume’, ou volume bruto de mercadorias, que mede a venda online.


"Mas agora o excesso de liquidez secou e a cada 10 perguntas do investidor, 9 são sobre lucro", disse Fulcherberguer, afirmando ainda que a Via ficava "fazendo conta" de como a Americanas conseguia oferecer determinados preços –uma vez que os fornecedores são os mesmos.

"Agora dá para entender", afirmou, referindo-se às "inconsistências contábeis" nos balanços financeiros da rival. Segundo Fulcherberguer, a concorrência online será mais racional agora depois do "evento Americanas". "Nem poderia ser diferente, tendo em vista o custo do dinheiro", disse.

Stelleo Tolda, conselheiro do Mercado Livre, também presente ao evento, concordou. "Ainda mais importante que o evento [Americanas] para o nosso negócio, é a taxa de juros que saiu de 2% para 14%", disse, referindo-se à alta da Selic no último ano.

"O cenário que a gente vivia no começo do ano passado não vai voltar tão cedo. Vamos continuar com investimentos e competição agressiva, mas não ao ponto de prejudicar as empresas", afirmou Tolda.

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