Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Congresso fiscalmente responsável?

Padrão de votação contradiz mito de que parlamentares de direita são menos inclinados a expandir gastos públicos

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Economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula), é colunista da Folha

O resultado da eleição para o Congresso, , com o fortalecimento de partidos identificados com a direita, levou à interpretação de que deverá haver moderação fiscal no próximo governo, qualquer que seja o presidente eleito. Na visão convencional, a esquerda teria maior inclinação a expandir os gastos públicos, enquanto a direita seria contrária ao aumento do Estado.

Não é isso, contudo, que mostra o padrão de votação do atual Congresso. Nos últimos dois anos, foram aprovadas pelo menos 26 leis ou outras normas infraconstitucionais e mais 12 emendas constitucionais que, no todo ou em parte, vão na contramão da responsabilidade fiscal.

Ilustração de Edson Ikê mostra, num fundo verde, quatro javalis, também verdes. O primeiro é maior e tem a bandeira do Brasil desenhada no corpo. Atrás, os outros três, menores, andam na mesma direção
Edson Ikê/Folhapress

Ao contrário da interpretação dominante, muitas dessas medidas contaram com apoio de expressiva maioria da direita e do centro. Em um artigo publicado nesta semana, Marcos Mendes e eu sistematizamos essa longa lista de alterações na legislação.

Este ano, 277 deputados foram reeleitos, representando 54% do total de 513 escolhidos para a Câmara. Trata-se, portanto, de uma amostra relevante do que será a próxima legislatura.

Para analisar o perfil de votação por espectro ideológico, podemos dividir os partidos em quatro grupos:

  • PL, Republicanos e PP, aliados do atual governo e que podem ser chamados de "direita bolsonarista".
  • Partidos de menor grau de alinhamento com o governo Bolsonaro, frequentemente distantes de teses de esquerda, e relevantes no Congresso recém-eleito, aqui chamados de "centro": União Brasil, MDB e PSD;
  • Partidos da esquerda tradicional: a federação formada por PT, PV e PC do B, somada ao PDT, PSB e Rede;
  • Outros partidos.

A participação de cada grupo de partidos na nova Câmara é muito similar à dos parlamentares reeleitos. Logo, não se deve esperar grandes mudanças na próxima legislatura.

Esta coluna destaca nove projetos aprovados pela Câmara em 2020 e 2021, posteriormente sancionados como norma vigente. Eles são impregnados por um misto de baixa responsabilidade fiscal, concessão de benefícios para grupos de pressão e distorções regulatórias que acabam por reduzir a produtividade e o potencial de crescimento da economia.

Centro e direita aprovaram todos os projetos com maiorias expressivas, quase sempre com mais de 95% dos seus parlamentares. A esquerda votou a favor em 7 dos 9 casos, com apoio de grande parte dos seus deputados reeleitos. Difícil saber o que impressiona mais, se o descontrole fiscal da direita, ou a aliança que foi construída com a esquerda.

Plano de saúde das estatais: decreto legislativo derrubou normativo do Ministério da Economia que impunha regras e limites aos gastos das estatais com os planos de saúde de seus funcionários, aproximando-os do que é praticado em planos de saúde dos demais trabalhadores. Essa pauta corporativa dos empregados das estatais, usualmente apoiada por partidos de esquerda, foi aprovada por 81% dos parlamentares de partidos da "direita bolsonarista".

PEC dos precatórios: autorizou o não pagamento de parte dos precatórios devidos para ampliar o limite do teto de gastos, permitindo, inclusive, os recursos para as emendas de relator. A adesão da "direita bolsonarista" foi quase unânime, enquanto a esquerda foi majoritariamente contrária.

PEC dos semicondutores: essa emenda constitucionaliza a proibição de que sejam retirados benefícios tributários da "política industrial para o setor de tecnologias da informação e comunicação e para o setor de semicondutores". Apoio integral da esquerda e da direita.

IPTU das igrejas: isenta igrejas do pagamento de IPTU. Teve adesão maciça da "direita bolsonarista" —em boa parte composta por religiosos interessados diretamente no benefício— e apoio substancial nos demais grupos, inclusive à esquerda.

RELP: concessão de Refis generalizado a pequenas empresas, sem discriminar os necessitados dos oportunistas. Atropelou o instrumento da transação tributária, criado pela Receita Federal, para atender empresas com reais necessidades de parcelamento. O projeto teve votação favorável quase unânime, da direita à esquerda.

Renovar: projeto que atende o interesse da indústria automobilística, ao estipular subsídio para a troca de caminhões velhos por novos. A "direita bolsonarista" e o "centro" votaram maciçamente a favor da concessão do privilégio. A esquerda não embarcou.

Piso dos agentes: agentes de saúde conseguiram a aprovação de uma PEC instituindo piso salarial para a categoria e o direito a aposentadoria especial. Aprovação quase unânime.

Piso da enfermagem: similar ao caso do piso salarial dos agentes comunitários de saúde, mas com o agravante de que nem sequer havia a especificação da fonte de financiamento das novas despesas públicas. Além disso, tem impacto relevante em instituições de saúde privada, gerando pressões para a absorção do custo privado pela União. Nova votação quase unânime.

PEC kamikaze: emenda constitucional que tinha como motivação o aumento do programa de auxílio de renda aos mais pobres. Sem qualquer objeção relevante, contudo, ela incluiu benefícios tributários para usineiros e distribuição de dinheiro para taxistas e caminhoneiros, além de abrir a porta dos gastos do governo e dos atuais congressistas em ano eleitoral.

Qual a razão para achar que o novo Congresso será responsável com as contas públicas?

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