Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Talvez seja pedagógico fixar o céu como limite para o gasto

Construímos um Estado disfuncional e não obtemos consenso para sair da enrascada

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O teto de gastos é a bola da vez. Os que acenam com gastos infinitos querem eliminá-lo. Os que se preocupam com o equilíbrio fiscal —e veem o teto sendo desmontado pelo atual governo— acham que está na hora de buscar outro instrumento.

Importante alertar para argumentos tortos, que usualmente frequentam esse debate.

Afirma-se que o teto estaria asfixiando o orçamento e o gasto estaria no osso, não havendo onde cortar.

Paulo Guedes, de terno e gravata pretos e camisa branca, usando óculos, aponta para cima com o dedo indicador direito, em frente a um fundo azul
O ministro da economia, Paulo Guedes, em entrevista no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 25.jan.2022/Folhapress

Difícil acreditar nisso vendo procuradores federais dividirem entre si quase meio milhão de reais que "sobraram no orçamento". Funcionários de estatais ganham salários de executivos com pacotes de benefícios invejáveis. Parlamentares têm R$ 36 bilhões de emendas no bolso. Partidos políticos gozam do maior financiamento público do mundo.

O FMI aponta gasto primário dos três níveis de governo no Brasil, em 2019, de 40% do PIB. Estamos abaixo da pródiga Grécia (45% do PIB), mas muito acima dos emergentes como Rússia (34,5%), Turquia (33,5%), Costa Rica (25,4%) ou México (18,3%). Nem de perto nosso gasto público chegou no fundo do poço.

Outro argumento é que o pobre foi excluído do orçamento. Não parece correto: o principal programa social do país acaba de ter a sua verba quase triplicada. Voltando aos dados do FMI: o Brasil gastou, em 2019, 18% do PIB com previdência, assistência e proteção ao trabalhador. Acima de nós, só os europeus ricos. Nossos pares emergentes estão entre 5% e 13%.

A política social chega aos pobres, mas também atende não pobres. Criam-se novos programas sem extinguir os antigos, que são antiquados, caros e com baixa capacidade de reduzir a pobreza.

Aí, realmente, não há dinheiro que chegue. É enorme a resistência para, de um lado, reformar programas e, de outro, cortar privilégios. Daí faltam recursos para novas prioridades que vão surgindo. Mas isso é muito diferente de dizer que o gasto público está no osso ou que os pobres são ignorados.

Há os que dizem que o teto está sufocando o investimento público. Mas o teto foi criado em 2016 e o investimento vem caindo desde os anos 1990. Cai porque há preferência política por popularidade de curto prazo, mediante aumentos ao funcionalismo e de benefícios sociais, jogando para segundo plano o investimento, que só traz retorno de longo prazo.

No começo da década passada, por exemplo, o governo federal facilitou o endividamento dos estados para que eles aumentassem o investimento. E o que eles fizeram foi usar o dinheiro para financiar mais gasto de pessoal.

Nos poucos episódios em que o investimento público subiu, isso se fez à custa de mais desequilíbrio fiscal ou em momentos de crescimento atípico da receita. Só haverá recuperação consistente do investimento acompanhado de equilíbrio fiscal se for possível domar o crescimento das despesas correntes. Não adianta querer dinamizar a economia com mais investimentos se isso vai cavar mais o buraco da crise fiscal.

Ouve-se, também, que não faz sentido ter um teto de gastos quando a arrecadação está batendo recordes e há dinheiro disponível para gastar.

Faz sentido, sim. Primeiro porque não há dinheiro sobrando: o governo ainda tem déficit primário. Segundo, porque uma das funções das regras fiscais é evitar que o governo transforme em gasto permanente os aumentos temporários de arrecadação.

Da última vez em que, como agora, aumentamos despesas com base em ganhos de arrecadação provenientes de boom nos preços de commodities, tivemos uma crise fiscal tão logo o boom se extinguiu. Seguiu-se a perda do grau de investimento e a recessão da qual não saímos integralmente até hoje.

Estamos em um ciclo vicioso. Construímos um Estado disfuncional, capturado por interesses privados e focado em populismo eleitoral, que gasta muito, gasta mal e não consegue formar consenso para sair da enrascada.

Isso mina o crescimento econômico. A estagnação produz pobreza e clamor por mais gastos assistenciais. Pleitos oportunistas se vestem de demanda social (como os benefícios fiscais a título de gerar empregos) e pressionam ainda mais as contas do governo. Há uma crença generalizada de que a saída para todos os problemas estaria em alguma nova política pública.

Talvez seja pedagógico fixar o céu como limite para o gasto, e ver no que vai dar.

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