Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Descrição de chapéu Livros

Bíblia e quadrinho sobre gênero se abraçam no cancelamento

Onda de banimento de livros nos EUA atingiu mais de 2.500 títulos no ano passado

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Acaba de ser lançado no Brasil o quadrinho ("graphic novel") "Gênero Queer", de Maia Kobabe, o livro mais cancelado nos EUA em 2021. Em cenário que faz lembrar distopias autoritárias, 2.571 títulos foram banidos de bibliotecas daquele país apenas no ano passado, segundo levantamento de uma instituição de defesa da liberdade de expressão.

As pressões por detrás desses vetos partem de diferentes áreas ideológicas da sociedade, numa grande onda de moralismo normativo, pretensamente pedagógica, que vai da ultra direita religiosa a setores do ativismo identitário de esquerda.

Cena do quadrinho 'Gênero Queer', de Maia Kobabe
Cena do quadrinho 'Gênero Queer', de Maia Kobabe - Maia Kobabe/Divulgação

Está em cena também uma modalidade mais focada, mas não menos discutível, de tutelar leitores, para poupá-los do que seriam incorreções de autores de outros tempos. São as supressões ou mudanças em trechos de livros, uma nova tendência no mercado editorial. Neste caso, os que pretendem sanar os incômodos politicamente incorretos são, em geral, militantes antirracistas e feministas.

Não se discute que mentalidades mudam ao longo da história. O que poderia parecer natural em algum lugar do passado, hoje não parece mais. Torna-se ofensivo. Essa faxina revisionista, no entanto, não deixa de ser uma forma de apagar a história, subestimar o público, dissimular conflitos e edulcorar a experiência social, com o edificante intuito de aplacar o caráter ofensivo de expressões dirigidas a grupos minorizados.

De minha parte, preferiria que se preservasse a integridade das obras e se acrescentassem, à parte, notas explicativas para contextualizar as escolhas autorais.

Mesmo assim, seria preciso evitar a tentação de transformar autores efetivamente conservadores ou perversos –ou apenas distraídos– em pobres vítimas de suas épocas. Não faz sentido tentar criar uma espécie de "bom autor", o sujeito essencialmente correto e sem arestas que teria sido corrompido pela violência de seu tempo histórico.

Numa época em que polarizações estimulam os apagamentos e o espírito persecutório, não espanta que a Bíblia também venha sendo cancelada por iniciativa de pais e mães nos EUA. Como relata um recente artigo da BBC, um distrito escolar no estado americano de Utah removeu as sagradas escrituras das escolas primárias e secundárias por conter "vulgaridade e violência".

A oportunidade foi oferecida por uma lei aprovada em 2022 pelo governo republicano, que proíbe livros "pornográficos ou indecentes" nas escolas.

A ideia era conter temas do universo LGBTQIA+, do qual essa gente, como se sabe, morre de medo. Só que alguns pais fizeram com que o comitê censor não escapasse à evidência de que passagens bíblicas se encaixam nos termos da lei.

Que tempos…

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