Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Descrição de chapéu Futebol Internacional

Estádios e redes sociais favorecem impunidade coletiva

Caso Vini Jr. tem conexão com extremismos e discurso de ódio do mundo digital

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Não deveria existir dúvida sobre o que se passou mais uma vez na Espanha e tem acontecido com frequência em arenas esportivas de outros países da historicamente xenófoba e racista Europa.

Depois que uma multidão voltou a promover um espetáculo repugnante de racismo no futebol espanhol, contra o craque brasileiro Vini Jr., do Real Madrid, tudo ao que parece seguiria o rumo natural das atrocidades consentidas —não fosse a reação admirável do jogador e a crise diplomática que se abriu com protestos do governo brasileiro.

O jogador Vinicius Jr., do Real Madrid, reage após ofensas racistas no estádio Mestalla, em Valencia - Pablo Morano/Reuters

A União Europeia garante liberdade de expressão, mas também prevê o combate ao crime de ódio. O que se viu em Madri não foi crime de ódio? Ou foi simplesmente um "excesso" dentro dos limites da normalidade? No Brasil, diga-se, embora o racismo seja considerado crime, também marca presença nos campos, secundando a predominante homofobia.

O inicial jogo de esquivas de entidades e dos clubes da Espanha, empresas privadas, que movimentam bilhões, evidenciou a cômoda e habitual cumplicidade com episódios desse tipo, da mesma forma que o silêncio de patrocinadores. Em geral fazem campanhas de marketing contra o racismo, mas nada de efetivo acontece diante das violações.

Difícil deixar de ver conexões entre o que se passa nos estádios e o vale-tudo das redes sociais. O torcedor de futebol, como o ativista digital, sente-se protegido pela multidão.

A impunidade conivente e preguiçosa das autoridades permite que as manifestações odiosas pouco a pouco se naturalizem e sejam assimiladas como parte de uma tolerável, ainda que criticável, experiência social. Na Europa, pelo menos, a regulação das redes está um passo à frente.

Por aqui, nem mesmo o raciocínio elementar de que o que é considerado crime fora das plataformas não pode deixar de sê-lo dentro delas comove alguns campeões da desregulamentação radical. Defensores absolutistas da liberdade de expressão insistem na tese de que as redes sociais são neutras, apenas "espelham" a realidade polifônica da sociedade. Submetê-las a regras e punições seria censura.

Deixa-se à sombra a evidência de que essas redes são arquitetadas para favorecer o discurso de ódio e as conspirações antidemocráticas com seus algoritmos programados para a discórdia (como bem relata Max Fisher em "A Máquina do Caos") e seu caldo ideológico de libertarismo hacker de silício —sempre de olho nos super lucros.

Os estádios também são "neutros". Nada mais fazem do que acomodar em suas cadeiras eventuais protagonistas da violência coletiva. Os que os exploram, então, não deveriam ser incomodados? Não têm nenhum tipo de responsabilidade? Tanto faz se faturam alto com espetáculos esportivos que se transformam repetidas vezes em caixas de ressonância do racismo e da homofobia?

Vivemos um tempo em que conflitos se aprofundam e ganham novas e perigosas formas e proporções. Algum tipo de "contrato social" precisa ser estendido às franjas crescentes que escapam do pacto civilizatório e se voltam mais e mais contra ele no mundo contemporâneo.

Talvez para isso fosse útil ajustar os termos de velhos consensos e antigas cartilhas ideológicas à realidade do século 21 —afinal já não se trata mais de impor um Parlamento ao rei ou decapitá-lo.

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