Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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O pardo Dino e a invisibilização da mestiçagem

Ministro, pelos critérios estabelecidos, integraria grupo de negros, mas não é visto assim

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São Paulo

O ministro da Justiça, Flávio Dino, ora indicado ao Supremo Tribunal Federal, não será mais um homem branco a integrar a corte. Dino, como se sabe, declara-se pardo. De acordo com os critérios em vigor, ele integra o grupo de negros da sociedade brasileira. Negros são a soma de pretos e pardos.

Na classificação de raça ou cor de pele do IBGE, que é adotada no Censo e em outras sondagens, os brasileiros podemos nos declarar brancos, pardos, amarelos, indígenas ou pretos. Não há a expressão negro como alternativa.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado por Lula para o STF - Adriano Machado - 1.nov.23/Reuters

O grupo majoritário, a se confirmar ou não com os resultados do levantamento deste ano, tem sido o de pardos. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2022, 42,8% dos brasileiros se consideram brancos, 45,3% declararam-se pardos e 10,6%, pretos. É possível que o Censo mostre variações em relação a esses percentuais, mas pardos e brancos continuarão sendo os dois maiores grupos populacionais pelo critério raça ou cor da pele.

Mas se os que se declaram pretos são minoritários, por que então se diz com frequência que os negros são maioria no Brasil? Ou que a maioria "se declara negra"?

Intelectuais e ativistas dos movimentos de ações afirmativas de enfrentamento ao racismo produziram argumentos históricos e sociológicos para considerar que os pardos, categoria de não brancos, são, afinal, afrodescendentes. Com os pretos, formariam o grupo de negros. Nessa decisão, consagrada pelo Estatuto da Igualdade Racial, há também um tanto de política.

De uma tacada, a miscigenação passou a ser invisibilizada e perdeu protagonismo como traço majoritário e característico da população brasileira, segundo propunham os defensores das teorias sobre mestiçagem. Por fim, garantiu-se uma confortável maioria de negros, termo semanticamente muito próximo a pretos, em oposição aos brancos, numa equação racial praticamente binária, mais próxima dos Estados Unidos.

O pardo passou a ser investido de uma certa carga negativa, quase um pária sociológico, um lúmpen étnico, filho do estupro colonial e pusilânime ao decidir sobre sua identidade. Sua redenção é apagar a mestiçagem e torná-la afluente na categoria negro. O tema é intrincado, não há dúvida –e nem falamos sobre os que descendem de europeus e indígenas.

Tentar apagar a miscigenação da paisagem humana brasileira é um esforço hercúleo, mas talvez estratégico e recompensador para uma perspectiva que deriva do meio acadêmico e do pensamento racial americano, com muito a oferecer de contribuição na luta contra o racismo, mas enraizada em terreno diferente.

Não é nova a tentativa de enfiar, meio na marra, realidades resistentes em esquemas prontos, nos quais não cabem muito bem. Para ficar no século 20 e entre nós, setores intelectuais da esquerda dedicaram-se a forjar um fantasioso feudalismo na história do país para atender à doutrina de Marx.

No final das contas, perde-se, sem trocadilho, a nuance, a complexidade, a singularidade de uma experiência histórica que deveria ser levada em conta na busca de arranjos e propostas para o entendimento e a superação do racismo no Brasil.

Quanto a Dino, embora nas estatísticas acabe sendo oficialmente contabilizado na maioria negra, é com frequência tratado como branco e não parece animar os pretos. Talvez não tenha a pele suficientemente escura, talvez o cabelo meio liso demais, como o dos povos originários ou o de europeus, ou talvez pelo fato de ter tido acesso a condições sociais e materiais identificadas com o privilégio branco. Provavelmente pelo combo.

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