Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Castañeda e o elogio da exceção

Democracia pressupõe o império da lei

No New York Times, o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda defende direito de Lula se candidatar - Folhapress

Jorge Castañeda mostrou mais uma vez seu pouco apreço pelo estado de direito. Desta feita foi nas páginas do New York Times, em defesa da candidatura de Lula. Em 2004, tentou candidatar-se à presidência do México, país cuja constituição impõe a filiação prévia a partido político como pré-requisito para o registro. Sua tentativa foi frustrada por decisão judicial na primeira instância.

À flagrante ilegalidade dessa tentativa somava-se outra: fazer o registro fora do calendário oficial. Seu recurso à Suprema Corte não prosperou. Não satisfeito com a dupla negativa de tribunais mexicanos recorreu à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob a alegação de que tivera seus direitos políticos violados. 

Esta Corte concluiu que “o Estado não violou, em desfavor do Sr. Jorge Castañeda, o direito político a ser eleito, reconhecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos”. Tampouco “violou o direito a igualdade perante a lei”, previsto na convenção.

A chave argumentativa é a mesma: tal como o ex-presidente brasileiro, ele deveria ter um tratamento especial. A lei barrou, no pleito municipal de 2016, cerca de 832 candidaturas, e nas eleições para deputado federal de 2014, 253, segundo o site Congresso em Foco. Mas exceções deveriam ser feitas para casos como o de Lula e o seu.

Embora reconheça diferenças, Castañeda argumenta que o caso brasileiro se assemelharia aos da Nicarágua e Venezuela, afirmação estapafúrdia que causa perplexidade.

A inconsistência da argumentação é patente na confusão conceitual que permeia sua discussão de um imaginário conflito entre a democracia e o “rule of law” (o império da lei). Ele sustenta que quando os dois princípios conflitam, a democracia deveria prevalecer. Ou seja, as urnas deveriam prevalecer (“trump”) sobre o estado de direito.

O caso das violações do presidente americano nos serve de exemplo. Abusando do trocadilho, o estado de direito deve prevalecer (“trump”) sobre abusos de Trump, ou o contrário? A eleição e popularidade do presidente americano justificaria um tratamento diferenciado? Obviamente são os checks and balances neste país que impede que os EUA degenere em tirania. Tendência que, aliás, espreita as democracias atuais. A democracia representativa pressupõe o estado de direito: ela se alicerça na combinação entre o princípio majoritário, constitucionalismo e republicanismo. 

Enquanto Castañeda e outros analistas fora do país repetem a narrativa do golpe e da perseguição, Lula e o PT se congraçam nos palanques do país com os supostos golpistas. O ex-chanceler é peça útil de uma engrenagem que oxalá não compreenda.

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