O chamado orçamento secreto suscita questões. Por que surgiu? O que é novo no padrão orçamentário? Quem se beneficia? Quem captura o crédito político? Qual sua relação com a corrupção? A mudança no padrão deu-se no bojo da transformação radical do governo Bolsonaro. A rejeição do presidencialismo de coalizão deu lugar à formação de alianças com o centrão. O Leitmotiv foi a necessidade de um escudo Legislativo contra o risco de impeachment e os impasses na aprovação de agenda.
O Executivo delegou a barganha em torno da parcela discricionária do orçamento às lideranças partidárias da coalizão. Antes, cabia a Casa Civil junto com os ministérios: a barganha era intra-ministerial em uma lógica partidária de distribuição de pastas.
O Executivo buscou reduzir os custos políticos do padrão que rejeitara. Mas a delegação não implica abdicação: o controle do caixa permanece com o Ministério da Economia, o orçamento secreto continua autorizativo e não impositivo. Nada mudou.
As principais mudanças —a concentração de recursos na rubrica RP9 a cargo do relator e a não identificação dos autores— permitiriam, em tese, a redução dos custos políticos potenciais. Afinal, o Executivo não se envolveria como antes. Mas o tiro saiu pela culatra.
A delegação implica em concentração de poder na figura do relator? Ledo engano. O relator é nomeado pelo presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO) —são 84 membros indicados pelas lideranças, com proporcionalidade partidária. Ele pode ser substituído a qualquer momento pelo presidente, que é eleito pelos membros da CMO. É mero agente de uma maioria parlamentar.
No passado, as transferências (que se viabilizam por emenda/convênio) beneficiaram o partido do Executivo (Brollo e Nannicini, 2012; Bueno, 2017; Meireles, 2019. Prefeitos do PT receberam 54% mais recursos do que os da oposição. Agora os ganhos se estenderam a coalizão. A ver.
O efeito do alinhamento político com o governo federal entre 2003 e 2015 é considerável: equivale ao valor per capita médio do Bolsa Família, segundo Natália Bueno. As transferências são diminutas globalmente, mas expressivas localmente. Os municípios ficam com 50% do total, os estados com 30%; Oscips, etc, com 20%.
A eleição de um prefeito alinhado com o presidente aumentava as transferências para os prefeitos mas reduzia significativamente as realizadas para as Oscips. E vice-versa: o objetivo, segundo Bueno, seria impedir que a oposição "sequestrasse" o crédito político gerado. David Samuels argumentou que essas transferências "invisíveis para o eleitor" não buscam crédito político, mas sim alimentar redes políticas corruptas. Ambos podem estar certos.
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