Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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Maria Hermínia Tavares
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Negociar sem se desfigurar

Esquerda tem de negociar e ceder, sem perder de vista aquilo de que não pode abrir mão

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O presidente Lula não viveu com o Congresso a proverbial lua de mel que quase sempre suaviza o início de um mandato. Nestes primeiros meses, têm sido ásperas as suas relações com a Câmara dos Deputados. Em seis meses incompletos, foram quatro solavancos: a Casa derrubou os vetos presidenciais ao marco legal do saneamento; diante da perspectiva de derrota, o relator do projeto das fake news teve de pedir sua retirada de pauta; o Palácio do Planalto engoliu à força mudanças na medida provisória que reorganizou a estrutura do governo federal, desidratando as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas; por fim, não conseguiu impedir a aprovação do PL 490/07, do marco temporal —se o Senado repetir a dose, o direito das populações indígenas ficará restrito às terras por eles ocupadas em 1988.

As dificuldades na relação entre os Poderes são inegáveis. O que varia são as explicações dos especialistas a respeito.

Para alguns, a sequência de tropeços é sintoma de uma crise maior —a do chamado presidencialismo de coalizão, o peculiar arranjo brasileiro para o exercício do poder, quando a legenda do mandatário fracassou em formar maioria no Congresso. Efeito implacável da fragmentação partidária, esse mecanismo de construção de hegemonia no Legislativo depende dos meios ao alcance do presidente para disciplinar sua base parlamentar: medidas provisórias; distribuição às siglas aliadas de ministérios e espaços no segundo escalão e empresas públicas; negociação de emendas parlamentares ao Orçamento.

O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A imposição da agenda do Executivo, assim assegurada, foi por bom tempo a chave mestra para o bom funcionamento do sistema. Mudanças institucionais aumentando o poder dos legisladores, como as que regularam as medidas provisórias ou aumentaram o poder do Congresso sobre a destinação das emendas parlamentares, poderiam pôr abaixo esse arranjo de porcelana.

Outros analistas, embora reconheçam as mudanças nas regras, reduzem a importância de seus efeitos sobre o presidencialismo de coalizão. Para eles a crise é contingente: resultaria dos desacertos políticos de uma Presidência de esquerda obrigada a coordenar uma base congressual necessariamente maior do que as minguadas cadeiras em posse de agremiações ideologicamente mais afins.

Minoria no Legislativo desde sempre, a esquerda enfrenta um desafio muito maior do que o seu patrimônio parlamentar para construir uma base governista operante. Tem de negociar e ceder, sem perder de vista aquilo de que não pode abrir mão, ao preço de se desfigurar e dar as costas ao seu compromisso com a efetiva mudança social.

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