Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu

Atentado em Toronto teria sido movido por ódio às mulheres

Acusado dirigia van quando avançou em direção a pedestres; dez morreram

Grupo reza por vítimas de atentado que matou dez em Toronto
Grupo reza por vítimas de atentado que matou dez em Toronto - Cole Burston - 24.abr.18/ AFP

Tenho uma boa e uma má notícia sobre o atentado da rua Young, em Toronto, que deixou 10 pessoas mortas —a maioria mulheres— e mais 13 feridas.

A boa é que as investigações apontam que há fortes indícios de que o ataque não tenha partido de um jihadista. Seria um grande revés para um país que celebra a diversidade e sempre recebeu imigrantes e refugiados de braços abertos.

A parte ruim é que as informações levantadas até agora sobre Alek Minassian, 25, acusado de dirigir a van que atropelou os pedestres, revelam um motivo ainda mais assustador do que a guerra contra os infiéis.

Minassian faria parte de uma comunidade online chamada “incel”, a abreviação em inglês das palavras “involuntary celibacy” ou celibato involuntário. Ela reúne homens que não fazem sexo por dificuldades físicas ou psicológicas, e celebram o ódio pelas mulheres.

Apesar de saber que frustração sexual não tem gênero, o que se observa é que as mulheres lidam com o problema de forma mais simples: fazemos compras, comemos Nutella e praticamos ioga. Já esses homens canalizam suas insatisfações e as transformam em ódio e violência. Para eles, as mulheres têm tudo fácil e são elas as culpadas de sua vida de broxa.

Um desses grupos foi banido da internet por incitação à violência. Um usuário reclamava de seu colega de quarto, que tinha namorada e falava sobre a família. Os outros membros o encorajaram e chegaram a mandar instruções de como castrar o amigo. Outro homem relatava de um jeito furioso que não podia fazer suas caminhadas porque havia no caminho mulheres que usavam leggings muito justas e transparentes apenas para se exibir para homens sexualmente frustrados como ele. Dizia que elas o objetificavam. Desculpe, mas eu ri nessa parte.

O debate nesses grupos é tão insano que houve proposta de incluir na discussão do #metoo, movimento americano contra o assédio, o que eles chamam de “estupro reverso”. Os moços alegam que recusar sair com alguém por causa de sua aparência, peso, raça é violência. “Negar amor e afeto a alguém por causa de gordofobia, racismo, transfobia é estupro reverso. E vítimas de estupro reverso são vítimas”.

Segundo um artigo publicado no The Guardian, o Facebook e o principal investigador do caso da rua Young confirmaram que, por meio de um post feito minutos antes do atentado, Alek Minassian teria elogiado Elliot Rodger, o assassino de Isla Vista, um misógino que em 2014 lançou um manifesto de 137 páginas antes de matar seis pessoas, além dele mesmo. O documento, intitulado “Meu Mundo Torturado”, falava da rejeição que ele sofria pelas mulheres, de nunca ter tido uma namorada, de jamais ter beijado alguém e de ainda ser virgem aos 22 anos.

Há a possibilidade de que a página de Minassian tenha sido hackeada e o texto publicado apenas depois do atropelamento, com a data alterada. Ele teria também postado sobre a derrubada dos “Chads” (homens promíscuos e bonitos) e das “Stacys” (mulheres que transam com os Chads), como são chamados pelos incels. Parece roteiro de The Handmaid’s Tale, mas, como disse meu colega —e ídolo— Clóvis Rossi, “o mundo contemporâneo é uma fábrica incrível de loucos”.

Emer O’Toole, professor assistente da Universidade Concordia, no Canadá, disse em seu artigo no The Guardian que a explicação sobre os hackers tem sido usada para que as feministas “não comecem a bater seus tambores” e que o envolvimento de um grupo misógino online na morte da rua Young acabou fora do foco da mídia.

A misoginia muitas vezes é tratada como histeria, principalmente quando apontada por grupos radicais feministas. É claro que há exageros quando todas as diferenças e divergências entre os gêneros acabam sendo diagnosticadas como ódio. Misoginia é mágoa, preconceito, ressentimento, raiva, hostilidade, violência contra a mulher. O que precisa ficar claro é se o crime da rua Young, assim como outros registrados na história, foi motivado por um machismo elevado à loucura. É preciso desmascarar e penalizar esse tipo de homem que se organiza em grupo e que alimenta o que há de pior na natureza masculina.

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