Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Notícia ruim chega rápido

Nunca tanta informação foi produzida e consumida como hoje

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O celular nos deu a liberdade de saber a qualquer momento o que acontece no mundo
O celular nos deu a liberdade de saber a qualquer momento o que acontece no mundo - Drew Angerer/AFP

Na madrugada de domingo para segunda, acordei com uma crise de ansiedade. Coração palpitando, peito ofegante, roupa empapada de suor, frio. Dá-lhe ansiolítico, respira, inspira, água gelada na testa. A imagem do Museu Nacional em chamas e todo noticiário sobre a tragédia devem ter perturbado a paz e o sono de muita gente, mas a avalanche de imagens e informações produzidas pelo público em redes sociais talvez piore o impacto que o conjunto das más notícias tem sobre cada um de nós.

E ainda que eu concorde desde sempre que o mundo nunca esteve tão bem, como prega o psicólogo e linguista canadense-americano Steven Pinker, em entrevista ontem à Folha, basta abrir o jornal, checar as redes sociais, bater papo no boteco, conversar com o porteiro, para me convencer de que Pinker, eu e todo mundo, com essa visão tão positiva, estamos errados, apesar das evidências que mostram o contrário.

O problema é que nunca tanta informação foi produzida e consumida como hoje. A forma com que acessamos e consumimos notícia mudou de forma significativa nos últimos 20 anos. O celular nos deu a liberdade de saber a qualquer momento o que acontece no mundo, mas nos aprisionou à obrigação de consumir tudo de forma imediata.

Somos bombardeados por notificações de reportagens, além de links, memes e vídeos, que chegam sem interrupção pelo WhatsApp. Já parou pra pensar que nunca é coisa boa? Cada vez mais atual a ideia antiga de que “notícia ruim chega rápido”. E todo mundo parece ter resolvido ser mensageiro delas.

Claro que tem um preço. O impacto disso pode ser conferido numa enquete recente feita pela Associação Americana de Psicologia. Metade dos americanos diz que as notícias os deixa estressados. Muitos relatam ansiedade, fadiga e dificuldades para dormir. Uma em cada 10 pessoas diz checar o noticiário a cada hora, mas 20% admitem que monitoram constantemente suas redes sociais, que estão cada vez mais infestadas de notícias. O lado lúdico dessas plataformas tem sido eclipsado pelo noticiário mais pesado.

Não deve ser diferente por aqui. Eu, você, a maioria dos brasileiros com acesso à internet, não desgrudamos do celular, o que pode explicar em parte o fato de termos a maior taxa de pessoas com transtorno de ansiedade no mundo (quinto lugar em casos de depressão), segundo estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Basta uma passada de olhos no feed de notícias para entender o porquê, mas há um agravante. Hoje, todo mundo tem uma opinião para dar, mesmo que seja sem embasamento ou, pior, resultado de uma mentira. É só tragédia, só discussão, só cagação de regra —com perdão do meu francês. É um fenômeno a quantidade de gente que comenta assuntos sobre os quais sabe pouco ou quase nada, mas que tem a capacidade de amplificar a sensação de caos que, de forma natural, já é o sentimento coletivo.

Essa praga contaminou todo mundo, gente que do dia para a noite virou expert em política, economia, diferenças salariais, violência contra a mulher, desastres ambientais, imigração, política internacional, agrotóxico, administração de museu. Choram pela morte de cantor sertanejo, da diva do jazz, do chef de cozinha três estrelas, tanto faz, desde que não percam o velório virtual e a chuva de likes, pela sensibilidade exercida. A impressão é de que quanto pior a mensagem, mais sucesso faz o mensageiro. E dá-lhe doses cavalares de tragédia e drama.

Por que não deixamos de ler jornais ou abandonamos as redes sociais? Bem, precisamos nos informar, por pior que sejam as notícias, mas há outro elemento fundamental nesse comportamento. O cérebro pode ser bastante masoquista, pois presta mais atenção ao que nos assusta, nos perturba, nos entristece. Acabamos viciados em notícias ruins, como se não nos bastasse viver rodeados delas. 

Há uma pilha de livros, uma lista de séries, filmes, podcasts, com temas mais amenos, logo ali, me esperando. Também queria escrever aqui sobre assuntos mais leves e até mesmo banais. Mas bate a culpa e não sem razão. Steven Pinker diz que “normalmente, levamos muito mais a sério as pessoas que nos alertam para o que pode dar errado do que as que identificam o que está dando certo”.

Então, eu, você, todo mundo, acabamos alimentando esse ciclo de notícias ruins, seja por meio de um artigo no jornal ou num post no Facebook. É claro que não precisamos ignorar a parte dura da realidade, mas a vida não pode se resumir a tiro, porrada e bomba do noticiário, e a litros de remédio para aguentar o tranco e poder ao menos dormir em paz.
 

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