Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Como alguém consegue dormir depois de destruir o dia ou a vida de outra pessoa?

Não passou pela cabeça desses haters que não se mede o sofrimento alheio?

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Acabo de ler sobre uma blogueira que tirou a própria vida numa sequência trágica de acontecimentos. Foi abandonada pele noivo um dia antes no casamento, resolveu manter a festa para se casar com ela mesma, segundo a notícia. Dois dias depois, cometeu suicídio. Há relatos de que sofria de depressão, como se a tristeza, a humilhação, a rejeição não fossem suficientes para que ela quisesse de alguma forma se livrar de toda aquela dor.

Mas há algo ainda mais perverso nesse enredo, além do abandono, quando tudo o que essa garota sonhava era felicidade. O linchamento virtual que sofreu na internet. Sim, foi achincalhada, xingada, agredida, insultada na página que tem em uma rede social porque quis manter a festa desejada, planejada, paga. Porque quis fazer de um momento que seria de dor um recomeço, uma oportunidade para virar a página, para seguir em frente, em “nome de uma vida nova”, como ela mesma escreveu.

Ainda no final de semana, acompanhei o mesmo tipo de apedrejamento que sofreu a deputada federal Tabata Amaral. Porque seguiu o que acredita, porque peitou o partido, os dirigentes, contrariou os eleitores, tem sido alvo das piores ofensas que já li nesse tribunal que julga e apedreja instantaneamente. Não é novidade que as redes sociais se transformaram num lugar tóxico e doentio. 

As pessoas competem pelos comentários mais agressivos, grotescos e também mentirosos, que lhes dão poder e visibilidade. Mesmo sem xingar, posts inquisidores servem para estimular a turba a fazer o serviço sujo. No caso da deputada, vi gente que posa de intelectual, desenvolve raciocínios elaborados, com um verniz inteligente, mas que no final serve para o mesmo, jogar a cabeça da vítima aos leões. E assim faz girar o mecanismo de recompensa das redes, quanto mais likes, mais ódio, quanto mais ódio, mais likes. 

Tenho postado raramente no Facebook e no Twitter, dois dos piores ambientes, mas mesmo o Instagram, que era um refúgio para selfies, fotos de comida, de viagem, de gatos e de memes, já foi contaminado pela podridão que tomou conta da alma das pessoas. O que era para ser uma escapatória para momentos lúdicos virou um lugar cheio de gente raivosa com raiva de gente vaidosa. 

Eu me pergunto o que faz alguém acordar num domingo de manhã, procurar a página de outro e despejar um caminhão de ofensas. Foi o que aconteceu comigo, porque nem sempre escrevo ou digo coisas com as quais as pessoas concordam. Numa proporção infinitamente maior com Tabata Amaral, desde o dia da votação da reforma da previdência.

E também, mas com consequências trágicas, com a garota que, certamente estava sofrendo uma dor insuportável por causa de um coração partido, e não aguentou o tranco. Quando tudo o que precisava era de acolhimento, foi tratada como oportunista, xingada de biscoiteira, como são chamadas as pessoas na rede que postam conteúdo atrás de likes.

Não passou pela cabeça desses haters que não se mede o sofrimento alheio? Que ao não encontrar palavras de consolo a única opção é o silêncio? Que apertar o “send” com impropérios pode ser apenas o empurrão que falta para que alguém mergulhe numa depressão ou procure conforto na morte? Gostaria muito de saber se essas pessoas conseguem destruir o dia ou a vida de uma pessoa, para depois, como se nada tivesse acontecido, voltar para suas casas, abraçar seus filhos, sentar para jantar, assistir a um filme e deitar a porra da cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente. Tenho medo de saber a resposta.

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