Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Morreu de Rio

Passividade diante da morte de gente pobre nos impede de sair às ruas

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A vida é muito curta para morar no Rio. Cinco anos depois, cá estou repetindo o que escrevi nesta Folha, numa semana em que a cidade se chocava com a morte de inocentes. Juan, um ano e dois meses. Giselle, 34. José Josenildo, 31. Bala perdida. Tentativa de assalto. Emboscada. Nada mudou de lá para cá.

Para quem mora no lado miserável e perigoso da cidade, a vida é mesmo muito curta. Numa semana tem "bala perdida", na outra também. Às vezes, tem chacina. Crianças desaparecem ou são alvejadas dentro de casa. Pessoas são presas "por engano". Vereadora é assassinada. Vidas são interrompidas antes que comecem. Maya ou Zyon, eram os nomes escolhidos por Kathlen Romeu, 24, mais uma que "morreu de Rio". Do descaso do poder público, do despreparo e da violência da polícia, da conivência das classes mais favorecidas.

Aqui, no lado limpinho e burguês, nos indignamos nas redes sociais, nos grupos de WhatsApp, escrevemos colunas nos jornais. E vida que segue. Somos cúmplices da tragédia que quase nunca atravessa o túnel Rebouças e assombra quem mora nos cartões postais. Nossa indignação tem prazo de validade, porque quem morre é sempre gente esquecida pela sociedade.

Chamar favela de comunidade nos tira o peso da consciência em relação ao abismo de desigualdade em que vivemos, mas não muda o fato de que centenas de milhares continuam sem saneamento, sem saúde, sem educação, reféns ora do tráfico, ora da milícia e, como sabemos, vítimas da polícia.

Nos primeiros anos em que vivi no Rio, eu me iludia de que cada vida perdida de forma trágica seria um divisor de águas. Depois de algum tempo, resignei-me a olhar a paisagem, deixei de ser a forasteira inconveniente que aponta dedos para todos os lados. Acovardei-me, como a maioria. Não é a Covid que nos impede de ir à rua nos manifestar por Kathlen ou João, é a passividade diante da morte de gente pobre.

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