Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Descrição de chapéu

Experimento na Inglaterra testa futebol com limite de cabeçadas

Jogo foi organizado por ONG que apoia ex-jogadores com doenças neurológicas

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A bola é lançada perto da área e o jogador, sozinho, no instinto, recebe de cabeça. O árbitro interrompe e dá falta. Ninguém reclama com o juiz. Os torcedores começam a rir.

A cena foi no último domingo (26) no estádio do Spennymoor Town, clube da sexta divisão inglesa. Pouco mais de 300 pessoas testemunharam o que seria uma revolução caso apenas uma regra mudasse, o que transformaria o futebol radicalmente.

Foi a primeira partida entre adultos na Inglaterra com limite de cabeçadas. Elas só eram permitidas dentro da pequena área, no primeiro tempo, e proibidas na segunda etapa. Cabecear fora das regras seria falta.

Disputa de bola pelo alto durante partida entre Liverpool e Fulham pela Premier League
Disputa de bola pelo alto durante partida entre Liverpool e Fulham pela Premier League - 7.mar.21Xinhua

O jogo, organizado por uma ONG que apoia ex-jogadores com doenças neurológicas, não valia nada, mas chamou a atenção para um tema bastante discutido no Reino Unido: a relação entre o impacto de milhares de boladas na cabeça ao longo da carreira e lesões cerebrais.

Cinco integrantes da seleção inglesa campeã mundial em 1966 foram diagnosticados com demência e quatro já morreram. A família de um deles, Nobby Stiles, doou o cérebro do jogador para estudo e ouviu dos médicos que os danos eram tão severos que só poderiam ter sido causados por repetidas pancadas ao longo dos anos.

Há vários casos semelhantes. Um relatório divulgado em 2019 pela Universidade de Glasgow revelou que atletas profissionais de futebol têm três vezes e meia mais riscos de morrer de doenças neurodegenerativas do que o restante da população.

As bolas de antigamente não existem mais, a tecnologia evoluiu, mas ver o fim trágico dos heróis de 1966 acendeu um alerta no esporte na Inglaterra. Desde o início de 2020, crianças de até 11 anos não podem treinar cabeçadas e a técnica deve ser ensinada gradualmente nos anos seguintes.

Nesta temporada, uma recomendação chegou ao profissional. A Premier League pede que jogadores deem apenas dez “cabeçadas de força maior” por semana nos treinos –após passes de mais de 35 metros ou escanteios, por exemplo. Nuno Espírito Santo, técnico do Tottenham, admitiu que não está contando e disse que saltar e cabecear é parte do jogo.

A Federação de Futebol da Inglaterra defende que as medidas, dos níveis infantil ao adulto, são preventivas enquanto as pesquisas continuam. Em geral, professores de escolinhas concordam e pais e mães se sentem mais seguros.

Mas tem quem ache um pouco de exagero. Já ouvi que “estão tirando a chance de a criança aprender algo fundamental” e que “desse jeito vai levar um bom tempo para a Inglaterra ganhar outra Copa do Mundo.”

Se já existe um limite nos treinos, ele poderá chegar às partidas profissionais? Dá para eliminar algo tão natural no futebol? Parece impensável o craque do meu time não poder marcar de cabeça. Como o zagueiro defenderia um escanteio? Se o mundo inteiro não seguir as mesmas regras, países como a Inglaterra teriam desvantagem em competições internacionais? As dúvidas são muitas, os médicos correm atrás das respostas e o debate continua. A ciência certamente prevalecerá.

A partida do último domingo terminou 5 a 5 e, ironicamente, o primeiro gol foi de cabeça.

Judith Gates, fundadora da ONG e esposa de Bill Gates –jogador do Middlesbrough nas décadas de 1960 e 1970 e diagnosticado com demência em 2014 – não quer o fim das cabeçadas, mas sim ampliar a discussão. “Meu marido está se divertindo hoje, mas amanhã não vai se lembrar do que aconteceu.”​

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