Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Marina Izidro
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Por que devemos nos importar com os direitos humanos no Qatar

Pelo bem do esporte que amamos, não dá para ser indiferente, mas ser radical agora também não resolve

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Domingo (20), quando Qatar e Equador entrarem em campo na partida de abertura da Copa do Mundo, o torneio estará dividido em três: os que defendem que o Mundial deveria ter sido boicotado pelo terrível retrospecto do país-sede em relação a direitos humanos; os que acham que atletas, torcedores e espectadores não têm nada a ver com isso; e os que acreditam em um meio-termo. Estou no terceiro grupo e explico o porquê.

Assisti nesta semana ao excelente documentário "Esquemas da FIFA", que mostra os bastidores dessa que é uma das organizações mais poderosas do mundo.

O documentário revela como o anfitrião da Copa de 2022 faz uso do sportswashing —quando países ou organizações usam o esporte para melhorar a própria reputação. Assim fizeram Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936 e os ditadores argentinos na Copa do Mundo de 1978. Não vou entrar em detalhes para não dar spoiler, mas recomendo muito assistir, esteja você em qualquer um dos três grupos acima.

Os escândalos envolvendo corrupção e ganância, e as acusações sobre a candidatura do Qatar realmente são de enojar. Mas não acredito que pedir cancelamento, boicote ou troca de sede agora, às vésperas da competição, seja a forma mais eficiente de lidar com o problema.

O ex-jogador inglês Gary Neville, hoje um dos principais comentarias na TV do Reino Unido, está sendo massacrado por ter criticado a realização do Mundial no Qatar, mas ter aceitado viajar ao país para trabalhar cobrindo os jogos.

Há alguns dias, vi um jornalista dizendo na BBC que a seleção da Inglaterra tinha que boicotar o torneio e que nenhum britânico deveria ligar a televisão ou ir ao pub para assistir aos jogos. Será que ele realmente acha que um jogador que esperou a vida inteira para disputar a competição mais importante da vida simplesmente tem que desistir de ir? Não dá para ser tão ingênuo assim.

Pessoas de camiseta branca interagem em frente a uma trave de futebol montada na rua com a bandeira LGBTQIA+
Ativistas LGBTQIA+ protestam em frente ao Museu da Fifa em Zurique, na Suíça - Fabrice Coffrini - 8.nov.22/AFP

Por outro lado, é igualmente ingênuo —e cruel— ser o oposto: usar a desculpa de que esporte e política não se misturam, que se trabalhadores morreram construindo estádios e um embaixador do Mundial disse que homossexualidade é uma doença mental, você não tem nada a ver com isso e o importante é ver sua seleção jogando enquanto toma uma cerveja com os amigos.

Gary Neville, jornalistas do mundo inteiro, torcedores, atletas têm o direito de ir à Copa sim, até para tentar mostrar o que está errado. Para resolver problemas, precisamos falar sobre eles. Não vejo contradição alguma em um jogador ir ao Qatar e, ao mesmo tempo, protestar, criticar, se manifestar sobre temas polêmicos que envolvem esta Copa. Assim, mais pessoas se educam sobre o assunto. E aí, quem sabe, aumenta a pressão para mudar a origem da polêmica e criar critérios mais rígidos de candidatura.

Não permitir que nações que comprovadamente desrespeitam direitos humanos possam sequer tentar receber grandes eventos esportivos seria uma solução mais eficiente.

E por que você, torcedor, deveria se importar? É mais simples só pensar no futebol, eu sei. É entretenimento, seu momento de lazer. Mas é exatamente por isso também —e, claro, porque precisamos ter empatia com a dor do próximo.

Decisões que regem um esporte amado por bilhões de pessoas estão nas mãos de muito poucos. E isso não é só no futebol. Como garantir sua sobrevivência se não houver prestação de contas? Refletir não custa nada.

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