Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Marina Izidro
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Medalha de prata não é fracasso, muito pelo contrário

Se a sociedade supervaloriza o sucesso instagramável, que não repassemos essa pressão aos atletas olímpicos

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Foram imagens olímpicas que rodaram o mundo. O nadador Guilherme Costa aos prantos pelo quinto lugar nos 400 m livre, melhor marca da vida. A campeã olímpica de judô na categoria 52 kg, a japonesa Uta Abe, inconsolável pela eliminação nas oitavas de final.

Elas são parte de uma enorme colcha de retalhos de histórias dos Jogos de Paris.

Só posso imaginar a frustração de quem dedica a vida pelo sonho de estar no pódio e não consegue por milésimos de segundo. Mas muita gente precisa rever a forma como enxerga essas performances. Principalmente nas redes sociais, se um atleta não alcança o sucesso absoluto, é alvo de abuso, racismo, sexismo.

Judoca japonesa Uta Abe após eliminação nos Jogos de Paris
Judoca japonesa Uta Abe após eliminação nos Jogos de Paris - Jack Guez - 28.jul.2024/AFP

Em qualquer torneio, a maioria perde, mas o ser humano é tão obcecado por vitórias que tem mania de valorizar apenas o ouro. O resto é fracasso. Tem quem use a frase ridícula de que o medalhista de prata é o primeiro perdedor.

Ignorância absoluta, ainda mais em Jogos Olímpicos, onde estão os melhores, no auge. As pratas pelos feitos extraordinários de Caio Bonfim, na marcha atlética, e da ginasta Rebeca Andrade, que o digam.

Em discurso aos formandos de uma universidade americana, Roger Federer falou sobre ganhar e perder. "Todo torneio termina igual: um levanta o troféu, todos os outros entram no avião, olham pela janela e pensam: como diabos eu perdi aquela jogada?".

Com a sabedoria de supercampeão, disse que "o melhor do mundo não é o que ganha todos os pontos; é o que sabe que vai perder, de novo, e de novo, e aprendeu a lidar com isso". Nas grandes rivalidades do esporte, como a dele com Rafael Nadal, um elevava o nível do outro. Para um triunfar, o outro tinha que ser derrotado.

No ótimo podcast New Balls Please, o ex-tenista profissional Fernando Meligeni contou que, na adolescência, o treinador pediu que os alunos dessem dez saques. Quem acertasse todos saía. Quem errava voltava para a fila. Ele foi o último. O técnico reuniu o grupo e disse que o vencedor não era o menino que tinha acertado os dez na primeira tentativa, e sim, Meligeni, porque não tinha desistido.

Há uma bela série documental na Netflix chamada Losers, que conta histórias de perdedores. Algumas das melhores entrevistas que fiz não foram com quem terminou em primeiro.

Em 2018, conversei com Eddie "The Eagle" para uma reportagem da TV Globo antes dos Jogos de Inverno de PyeongChang. Ele representou a Grã-Bretanha no salto com esqui nas Olimpíadas de Calgary de 1988. Terminou em último, mas era tão carismático que foi recebido em Londres como herói.

Contou-me que, sem dinheiro para viajar e competir, limpava banheiros em troca de lugar para dormir. As botas de competição, doadas, eram tão grandes que ele enchia a frente delas com meias. Os óculos de grau embaçavam com o frio, e ele se jogava pista abaixo, a quase 100 km/h. Disse algo que nunca esqueci: "Nos Jogos Olímpicos, há lugar para os ‘Usain Bolts’ e ‘Michael Phelps’, mas também para os ‘Eddie The Eagles’." A história dele é tão fantástica que virou filme de Hollywood.

Alguns momentos icônicos em Olimpíadas são os de quem não desistiu. Gabriela Andersen-Scheiss cambaleando na chegada da maratona em Los Angeles-1984; Eric Moussambani no tempo mais lento da história olímpica nos 100 m livre na natação, em Sidney-2000. Alguém lembra dos vencedores?

Disputar Jogos Olímpicos é o sonho de qualquer atleta. Não tem que pedir desculpas por não ter ganho o ouro, e sim, sentir um baita orgulho.

A colunista está em Paris como integrante da organização responsável pela transmissão oficial dos Jogos Olímpicos

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