Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Ter uma ideia, ter outra ideia

Os 40 anos da melhor publicação cultural europeia e do mundo anglo-saxão

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Comemorou-se ontem (25) o 40º aniversário da London Review of Books. É uma revista em papel-jornal com dez pessoas na redação e vende 65 mil exemplares por quinzena. Pouco? Não. Uma salva de palmas para a melhor publicação cultural europeia e do mundo anglo-saxão.

Conhecida como LRB, ela não tem certezas graníticas. É firme na convicção crítica e vive em estado de curiosidade permanente. Embora seu coração bata à esquerda, não pontifica. É corajosa sem ir nas ondas nem dar gritinhos de indignação.

No 11 de Setembro, por exemplo, não acelerou na pieguice nem acionou o piloto automático da vituperação dos “bárbaros”. Buscou entender o que ocorria e ofereceu pontos de vista contrastantes —inclusive os que apontavam a corresponsabilidade da política americana pelo ataque.

Uma enorme controvérsia se acendeu entre os colaboradores e na seção de cartas, estendendo-se por várias edições. 

Ilustração de homem de óculos redondos e cabelo curto. Ele está olhando para uma edição transparente que segura aberto na sua frente
Bruna Barros/Folhapress

Os leitores, quaisquer que fossem suas opiniões prévias, saíram ganhando com o debate.

Agora mesmo, com os trabalhistas de volta à tona, os melhores perfis —e variados, e às vezes ácidos— do partido e de Jeremy Corbyn estão na London Review. Quanto a Boris Johnson, não provoca choro e ranger de dentes. É visto como um poltrão. Perigoso, mas primeiro poltrão.

Como não tem editorial, dedica-se a analisar a fundo o brexit. O colaborador escreve o que pensa. Mas argumenta bem o que pensa. E injeta humor excêntrico na argumentação. A revista consegue a mescla de virtudes que se costuma associar ao velho modo de ser britânico: clareza, graça, surpresa, abrangência.

Ela lançou o livro “London Review of Books – An Incomplete History” (Faber, 244 págs.) para comemorar o aniversário. Ele mostra o tripé no qual se assenta: a política é assunto sério, mas não pode dominar tudo; o texto é decisivo; a invenção é um valor.

Isso implica em que autores célebres, ilustrações bombásticas, sacadas espertas e pontos de exclamação tendam ao insignificante; e a simplicidade visual seja prezada. Não há reformas periódicas do projeto gráfico. A substância condiciona a forma. Seja na versão impressa, seja no site.

Já os escritos são lustrados à exaustão, de modo a que fiquem lisinhos, reluzam. Importa mais a inteligência que a personalização, inclusive dos responsáveis pelos problemas. Tanto que se fala bastante de questões educacionais e de política externa, e nada dos ministros à frente das pastas.

A variação nas abordagens foi uma conquista passo a passo porque as resenhas de livros estão no DNA da LRB. Houve um locaute no Times que durou um ano, em 1979, e o caderno semanal de resenhas, o Times Literary Supplement, não circulou. A London Review aproveitou o vácuo.

Karl Miller a criou justamente para noticiar e comentar livros. Começou como um encarte da New York Review of Books —era uma relação “marsupial”, disse ele. Em seis meses, a revista saiu da bolsa da mãe canguru. Passou a dedicar-se a outros assuntos e formatos.

Tem hoje ensaios, crítica de cinema, diários, poemas, cartas, ficção e reportagem. Foi lá, e não nos Estados Unidos, que Seymour Hersh publicou seu relato sobre o assassinato de Bin Laden.

Filosofia, rap, literatura, ciência, economia e futebol são abordados com pertinácia e elegância. Escreve-se tanto de Balzac como de Bowie e do nosso Bozo. Os editores zelam para não pasteurizar os estilos. E para que os artigos sejam entendidos por leitores razoavelmente educados.

Como ocorre nesse tipo de livro, “An Incomplete History” tem anedotas. Bem boas são as de Karl Miller sobre os colaboradores. Um poeta famoso é “um moleque batendo no prato com a colher”. O herói do pós-modernismo “transpira falsidade”. Um romancista é “legal de longe, mas longe de legal”.

As análises são leves —afinal, é festa de aniversário. Mas há trechos úteis. Como quando Andrew O’Hagan conta o que fazem os editores: “Cuidar da escrita das pessoas, adaptá-la para a publicação, obter o melhor, conseguir a verdadeira medida da matéria, fazer alterações, planejar uma edição, escolher a capa, manter a confiança do redator, manter a sua própria confiança, desafiar as expectativas dos leitores, acertar o tom, permanecer independente, escrever um título, ter uma ideia, ter outra ideia, aproveitar a experiência, recuar quando se deve, tentar algo, defender o que acredita, valorizar o que publica, fazer a publicação ir além de qualquer outra  —todas essas são responsabilidades dos editores”.

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