Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Churchill, macho-alfa racista e imperialista, segue vivo em Putin e Biden

Professor não engole discurso que reduz o buldogue ao apelo por 'sangue, suor e lágrimas' para barrar Hitler

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Não é preciso exagerar a importância de Winston Churchill na defesa dos valores fundamentais da civilização ocidental e cristã. Numa prosa pomposa e bombástica, ele fez isso melhor que todos. Senão, vejamos o que disse.

"O movimento pelo voto feminino é apenas a pequena ponta da cunha; se permitirmos que as mulheres votem, isso significará o fim da estrutura social e o surgimento de todas as causas liberais sob o sol. As mulheres são bem representadas pelos seus pais, irmãos e maridos."

A ilustração representa com linhas rápidas e agressivas o rosto de Winston Churchill.
Publicada nesta sexta-feira, 22 de julho de 2022 - Bruna Barros

"Odeio pessoas com olhos puxados e tranças. Não gosto da sua aparência nem do seu cheiro --mas suponho que não há nada de mal em olhá-las."

"Se fosse italiano, estou certo de que teria estado de todo o coração com você [Mussolini], do início ao fim na sua luta triunfante contra os apetites e paixões bestiais do leninismo."

"Não admito que tenha havido um grande erro em relação aos peles-vermelhas da América ou ao povo negro da Austrália. Não admito qualquer erro no fato de uma raça mais forte, uma raça de nível superior, uma raça globalmente mais sábia, entrar no território deles e ocupar o seu lugar."

"Os indianos se reproduzem como coelhos."

"Não há por que exagerar o papel dos judeus internacionais na criação do bolchevismo e na concretização da Revolução Russa. Com a exceção notável de Lênin, todos os seus líderes são judeus."

"Sou intensamente a favor do uso de gás venenoso contra tribos incivilizadas."

Como a biblioteca acerca do homem do charuto beira 6.000 livros, a bancada dos churchillianos está de olho. É com muxoxos que eles passam o pano nessas citações fétidas. Macho-alfa de seu tempo, Churchill tinha implicâncias vitorianas, justificam, era contraditório como todo mundo, tadinho.

O decisivo, alegam, foi o seu papel na guerra contra o nazismo. Isso importa mais que o machismo, o racismo e o colonialismo, minudências antipáticas da sua personalidade política radiosa.

A originalidade e a garra com que demole esses lugares-comuns fazem a força de "Winston Churchill – His Times, His Crimes", ou seus tempos, seus crimes, de Tariq Ali. Nascido na Índia britânica, hoje Paquistão, ele é um veterano das lutas dos anos 1960 e professor em Oxford.

Escreve na condição de quem conhece o racismo e o colonialismo na teoria e pelo avesso. Militante erudito, recusa-se ao anacronismo de contrapor o velho Churchill às crenças bem-pensantes de hoje.

Em vez disso, vê um míssil do imperialismo britânico, alguém que, de Dublin a Johannesburgo, de Mumbai a Barcelona, protegeu a todo custo o status quo. Até porque o custo era em vidas de vítimas da expansão imperial.

No bombardeio britânico de Dresden, 25 mil civis foram queimados vivos em duas horas; 600 mil gregos morreram na guerra civil articulada por Churchill; mais de 3,5 milhões de indianos pereceram na grande fome de 1943, provocada de propósito pela política externa inglesa.

Não por acaso, quando um jornalista perguntou a Gandhi o que pensava da civilização ocidental, ele respondeu: "Teria sido uma boa ideia". Já Churchill disse do adversário anticolonial: "Nos livraríamos de um homem mau e de um inimigo do Império se Gandhi morresse".

Tariq Ali reconhece a perspicácia de Churchill. "Ele foi o único político da classe dominante que entendeu, no final de 1938, que a incapacidade de resistir ao Terceiro Reich levaria a um desastre", escreve; mas diz: "Primeiro para o Império Britânico e depois para a Europa".

O que Ali não engole é a litania da bancada churchilliana, que reduz o buldogue ao apelo por "sangue, labuta, suor e lágrimas" para barrar Hitler. Os ingleses acataram a exortação. Mas, quando ele perdeu o cargo de primeiro-ministro, um mês antes de a guerra acabar, ninguém chorou: era impopular.

"His Times, His Crimes" diz que sir Churchill voltou à vida no ataque arrogante às Malvinas. Foi emulando sua empáfia que a baronesa Thatcher enviou a Armada da Pérfida Albion contra um bando de Bolsonaros —para garantir a posse de um rochedo e mostrar à ralé quem manda nos mares.

Desde então, não há primeiro-ministro inglês que não se compare a seu belicoso antecessor. O mais pândego foi Boris Johnson, autor de "The Churchill Factor". Ao falar de seu queridinho, parece falar de si: "Ele era engraçado, irreverente e, mesmo pelos padrões da sua época, politicamente incorreto".

Churchill vive porque o imperialismo continua invencível na produção de ruínas. Que o digam Putin, Biden e seus títeres na Otan.

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