Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Descrição de chapéu jornalismo mídia Natal

De Lévi-Strauss a Samuel Beckett, veja presentes para celebrar um Natal cabeça

Rou! Rou! Perus e panetones para o espírito na festa que reinaugura o Nazareno e dá início a um novo caderno da vida

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No poema "Cartão de Natal", escrito há 70 anos, João Cabral de Melo Neto diz: "reinaugurando essa criança/ pensam os homens/ reinaugurar a sua vida/ e começar novo caderno,/ fresco como o pão do dia".

Segue-se então uma lista de presentes cabeça, panetones e perus fresquinhos para celebrar a reinauguração do Nazareno e o início de um novo caderno da vida, ainda sem rabiscos nem nódoas. Rou! Rou! Rou!

Diversos embrulhos de presente retangulares e coloridos.
Ilustração de Bruna Barros para couna de Conti publicada em 17 de dezembro - Bruna Barros

"Somos Todos Canibais", de Lévi-Strauss (editora 34, 174 págs.). O antropólogo investiga a ojeriza ao canibalismo, definido como a incorporação de nacos de um corpo por um ser da mesma espécie. Logo, está presente na transfusão de sangue e no transplante de órgãos. Freud acrescentou que a antropofagia embasa a eucaristia: "Tomai e comei: este é o meu corpo". Lévi-Strauss analisa também a luta entre o Bom Velhinho e o Redentor Nenê. Destrincha dogmas que, como o peru de Natal, são engolidos quase com pena e tudo, sem deglutição crítica.

"Quero-quero na Várzea", de Sylvio Fraga (Todavia, 80 págs.). Livro de estreia de um poeta que se regozija em voz baixa com os prodígios da natureza: a jaca, o preamar, os bois, o ipê-amarelo, o quero-quero na várzea. Traça o mapa de um mundo plácido, no qual algo —alarmante? banal? — se dá a ver: quando o poeta descobriu que teria seu primogênito, uma jiboia "comprida, calma e forte" passou pelo gramado e "seguiu seu rumo/ até o outro lado do mato".

"Poesia Completa", de Samuel Beckett, traduzida por Marcos Siscar e Gabriela Vescovi (Relicário, 288 págs.). Ao coletar os poemas do autor irlandês, mantendo os originais em inglês e francês, o livro acompanha uma busca de restos, do desencarnado, da mistureba impura, de "tudo o que não seja a fibra ingênua/ que sofre dignamente". Beckett se recusa a "desatar o nó da divina dor"; registra-o.

"O Fastio do Diabo", de Ana Luisa Escorel (Ouro sobre Azul, 192 págs). Seu novo romance é muito distinto, quase oposto aos que fez antes. Os quinhentos e tantos anos de mazelas brasileiras são a matéria-prima de uma fábula que calca a mão na sátira e, sem mais, levanta voo em fantasias aluadas. Celebre-se a inquietação de Ana Luisa Escorel e a adaga afiada da sua prosa. E se admita que, ao sair da trilha, é impossível intuir aonde sua arte nos levará.

"Different Speeds, Same Furies", de Perry Anderson (Verso, 206 págs.). O historiador britânico acerta na moleira ao dizer que "o culto a Proust é seu pior inimigo". E erra a marretada quando defende que "A Dance to the Music of Time", de Anthony Powell, é melhor que "À Procura do Tempo Perdido". Com erudição embasbacante, investiga o progresso e a catástrofe do romance histórico, começando com "Waverley", de Walter Scott, e vindo até "O Livro de Jacob" de Olga Tokarczuk —a ser publicado em 2023 pela Todavia.

"Proust et la Societé", de Jean-Yves Tadié (Gallimard, 252 págs.). Falando em culto ao bigodudinho, eis uma pepita da lavra do proustólogo-mor. Tadié desmantela o chavão que o escritor era alienado, um dândi tarado por duquesas. Comprova que tratou no seu romance de economia e história, de patrões e empregados, de política e classes sociais —e até ecoou a revolução russa de 1917.

"Vão", de José Miguel Wisnik. O neo-menestrel de São Vicente harmoniza o douto e o descolado num CD sublime. Mavioso, canta com suavidade tanto o jatobá que teima em florescer no Trianon, em São Paulo, quanto o monólogo de Molly Bloom no fim de "Ulysses", em Dublin.

"London Review of Books". Nascida de uma costela do New York Review of Books, a publicação superou seu Adão, que anda meio caído. Como é a publicação cultural europeia por excelência, pega bem demais dar uma assinatura à amada.

"Beowulf", poema anglo-saxão do século 8, traduzido e anotado por Elton Medeiros (editora 34, 366 págs.). "Hwæt!" é o brado inicial da gesta —escrito aqui no original porque o livro é bilíngue— e significa "Escutem!". E o que se escuta é uma lenda que deixa "O Senhor dos Anéis" no chinelo. Num prefácio vertiginoso, povoado por espadas e dragões, Borges explica que "Beowulf" pode ser comparado à "Ilíada".

"Sentimento da Dialética", de Otília e Paulo Arantes. Não é livro nem CD nem jornal, e sim um site com as obras de uma, do outro, e a dois. Um manancial de ideias inventivas a respeito de estética, filosofia, arquitetura, literatura e crítica, ele conflui para a formação da selvageria nacional. Grátis, é um mimo safo de Papais Noéis a perigo. Rou! Rou! Rou!

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