Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Ações devem substituir discurso sobre mudança climática

Para que a cúpula COP26 seja o momento decisivo que deve ser, três coisas precisam ser feitas

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Daqui a séculos, nossos descendentes poderão olhar para esta década como aquela em que as oportunidades de atenuar danos climáticos irreversíveis foram perdidas. Como disse o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na cúpula virtual de líderes sobre o clima, no mês passado, "esta é a década em que devemos tomar decisões que evitarão as piores consequências de uma crise climática". As emissões globais têm de diminuir agora se quisermos ter confiança razoável de limitar o aumento da temperatura média da Terra a não mais que 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. Falamos em fazer isso há décadas, sem efeito. Agora temos de agir.

A boa notícia é que a eleição de Biden transformou as probabilidades de alcançarmos algo real nesta década. A má notícia é que a transformação é de zero a um número apenas modestamente positivo. Essa perspectiva sombria não é compartilhada universalmente: Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, por exemplo, é muito mais otimista, afirmando: "A cúpula representa um ponto de inflexão. As maiores economias do mundo —Estados Unidos, Canadá, União Europeia, China, Japão, Coreia do Sul, Índia, Reino Unido, Brasil— estão finalmente se alinhando em torno do objetivo da descarbonização profunda, o que significa a mudança do sistema de energia de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) para fontes de zero carbono (solar, eólica, hídrica, geotérmica, biomassa e nuclear)".

Espero que Sachs esteja certo. Mas é vital não ser complacente: o tempo é limitado para que a tendência nas emissões seja reduzida de forma decisiva, enquanto os desafios políticos e econômicos continuam enormes.

Certamente, a recente mudança na posição dos EUA foi uma condição necessária para a ação global. Mas é longe de suficiente. Todo mundo sabe que a política dos EUA poderá se inverter novamente, porque os republicanos continuam ferozmente opostos à ação decisiva. Além disso, como comentei nesta semana, descarbonizar a produção em um país não é o mesmo que descarbonizar globalmente, já que as emissões podem simplesmente ser transferidas para outro lugar. Acima de tudo, até mesmo os EUA, embora cruciais, não são decisivos isoladamente. Embora seja o segundo maior emissor, o país gera apenas 15% das emissões globais de dióxido de carbono.

De fato, em 2020, os países de alta renda juntos geraram apenas 32% das emissões globais. Só a China gerou 30%, e a China mais a Índia, 36%. Ainda mais importante, sobre o que o FMI chama de caminho "negócios de sempre", a China geraria 40% do aumento de emissões entre 2020 e 2052, a Índia 15% e outros países em desenvolvimento (excluindo a Rússia), 35%. Em longo prazo, esses serão países decisivos.

Para que a cúpula da mudança climática (COP26) em Glasgow (Escócia) em novembro seja a mudança decisiva que deve ser, três coisas precisam ser acordadas lá. Primeiro, os países de alta renda devem se destacar como líderes verossímeis, comprometendo-se a reduções enormes nas emissões líquidas de sua própria produção ao longo da década. Segundo, todas as partes devem concordar com a descarbonização de todos os sistemas relevantes até 2050, com progresso significativo até a década de 2030. Finalmente, eles também devem concordar com um pacote de incentivos, desincentivos e ajuda internacional que torne factível alcançar essas metas ambiciosas.

Ainda estamos muito longe disso. Enquanto há uma confiança crescente de que isso é pelo menos factível, a um custo administrável, o resultado dependerá de políticas de primeira classe e sua implementação em todo o planeta. Essa é de fato uma exigência heroica. Mas como isso pode ser feito?

Primeiro, incentivos. Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, propôs o que ele chama de "incentivo à redução global de carbono". Cada país que emitir mais que a média mundial de cerca de 5 toneladas per capita anualmente pagaria a um fundo de incentivo. O pagamento seria calculado multiplicando-se o excesso per capita por sua população e o incentivo acordado. Os que emitirem mais contribuirão e os que emitirem menos receberão. Mas todos perderiam se aumentassem suas emissões per capita. Então todos enfrentariam o mesmo incentivo para cortar as emissões.

Segundo, desincentivos. Alternativamente (ou adicionalmente), os países que se comprometerem a impor um preço nas emissões domésticas teriam permissão para aplicar um imposto na fronteira a importações de emissão intensiva de países que não o façam. Se isso não acontecer, sua produção poderia simplesmente mudar para outro país, com impacto limitado nas emissões globais. Tal ajuste na fronteira sem dúvida seria um mecanismo duro e rápido. Também causaria atritos globais. Mas um compromisso das economias de alta renda de adotar um também poderia levar a um acordo sobre políticas melhores, incluindo apreçamento do carbono, em toda parte.

Finalmente, ajuda. O FMI afirmou que China, União Europeia, Índia, Japão e EUA por si sós podem entregar a maior parte da mudança necessária em emissões. Mas em longo prazo cada país precisará fazer a mudança para uma economia de baixo teor de carbono. Isso é especialmente verdade se considerarmos o papel dos sistemas naturais e também a agricultura e o florestamento. Será essencial, portanto, desenvolver e disseminar tecnologias, práticas e políticas eficazes pelo mundo todo. Isso exigirá ajuda, inclusive para reduzir o risco do investimento necessário em energia, transporte, construção, agricultura e outros sistemas.

A próxima década tem de marcar um início. Mas esse programa terá de ser aplicado ao longo de décadas. Esse será então o maior esforço histórico de cooperação entre os países, entre os setores público e privado e entre economias inteiras. Ele é necessário e possível, mas extremamente complexo. Sim, as coisas parecem um pouco mais claras agora. Mas não subestime o desafio. Saberemos muito em breve se há alguma chance plausível de que isso seja alcançado.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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