Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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As ameaças econômicas da bolha imobiliária da China

O boom de investimentos chegou ao limite e a economia precisa de novos propulsores de demanda

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Até que ponto as dificuldades da Evergrande, a companhia imobiliária mais endividada do mundo, e agora da Fantasia, podem ameaçar a economia chinesa? A resposta não é que a China vai experimentar uma crise financeira devastadora. É principalmente que a dependência da economia da demanda por investimentos em imóveis deve terminar. Isso exigirá um enorme ajuste e criará uma grande dor de cabeça para as autoridades: o que pode substituir os investimentos em propriedades para gerar demanda?

Do ponto de vista macroeconômico, o fato mais importante sobre a economia chinesa é sua extraordinária taxa de poupança. Em 2010, a poupança nacional líquida alcançou 50% do Produto Interno Bruto. Desde então caiu um pouco. Mas ainda era 44% do PIB em 2019. As poupanças das famílias são extremamente elevadas, 38% em média das receitas disponíveis entre 2010 e 2019, mas representam pouco menos da metade de todas as poupanças. O resto consiste principalmente em ganhos corporativos retidos.

O investimento mais as exportações líquidas precisam se equiparar à poupança quando a economia está operando próximo do produto potencial, para não cair numa depressão. Desde a crise financeira global, as exportações líquidas têm sido uma pequena porcentagem do PIB: o mundo não aceitaria mais. O investimento fixo total mal alcançou a média de 43% do PIB de 2010 a 2019.

Construção em Kangbashi, centro urbano na cidade de Ordos, no norte da China - Adam Dean - 11.set.2010/The New York Times
Prédio na China começa a tremer e causa alvoroço
Prédio na China - 19.mai.2021 - Reprodução/CNN

Surpreendentemente, isso foi 5 pontos percentuais a mais que entre 2000 e 2010. Enquanto isso, o crescimento caiu de modo significativo. Essa combinação de investimentos maiores com menor crescimento indica uma grande queda no retorno dos investimentos (mostrados diretamente em uma crescente "proporção incremental capital-produto").

Mas existem problemas ainda maiores do que isso sugere. Um deles é que o alto investimento está associado a enormes aumentos da dívida, especialmente das famílias e do setor corporativo não financeiro: a primeira saltou de 26% para 61% do PIB entre os primeiros trimestres de 2010 e 2021, e a última de 118% para 159%. Outro é que uma parte substancial desse investimento foi desperdiçada. O próprio Xi Jinping falou sobre a necessidade de mudar "para perseguir um crescimento do PIB verdadeiro, e não inflado". Isso deve representar grande parte do que ele quis dizer.

Essa combinação de investimento alto e improdutivo com dívida crescente está intimamente relacionada ao tamanho e o rápido crescimento do setor imobiliário. Um trabalho de 2020 de Kenneth Rogoff e Yuanchen Yang afirma que o setor de imóveis da China contribuiu com 29% do PIB em 2016. Entre as economias de alta renda, só a Espanha antes de 2009 chegava a esse nível. Além disso, quase 80% desse impacto vieram de investimentos, enquanto cerca de um terço do investimento excepcionalmente alto da China foi em imóveis.

Vários indicadores poderosos mostram que esse investimento é conduzido pelos preços insustentáveis e o excesso de alavancagem, e também está criando enorme capacidade excedente: a proporção entre preços e renda é muito maior em Beijing, Shanghai e Shenzhen do que em outras grandes cidades do mundo; o patrimônio em imóveis representava 78% de todos os ativos chineses em 2017, contra 35% nos Estados Unidos; as proporções de dívidas familiares são comparáveis com as de países de alta renda; as taxas de vacância e outras medidas de capacidade excedente são altas; e as taxas de propriedade de imóveis tinham alcançado 93% em 2017. Além disso, a formação de famílias está desacelerando, a população chinesa envelhece e 60% dela já estão urbanizadas. Tudo isso indica que o boom imobiliário deve terminar.

Como o governo controla o sistema financeiro chinês, ele pode evitar uma crise financeira. Uma grande queda nos preços dos imóveis e um grande impacto negativo na riqueza e nos gastos familiares são prováveis, mas podem ser evitados. A ameaça mais provável é que o investimento em propriedades despenque. Isso teria um grande efeito negativo nas finanças dos governos locais. Mas acima de tudo deixaria um enorme buraco na demanda. Rogoff e Yang afirmam que "uma queda de 20% da atividade imobiliária poderia causar uma queda de 5% a 10% do PIB, mesmo sem a ampliação de uma crise bancária ou se levar em conta a importância dos imóveis como garantia". Poderia ser pior.

Entre 2012 e 2019, o investimento contribuiu com 40% do crescimento da demanda na China. Se o investimento em propriedade cair acentuadamente, deixará um enorme deficit. Mas tolerar esse doloroso ajuste seria desejável, em última instância. Deveria melhorar o bem-estar da população: afinal, construir imóveis desnecessários é um desperdício de recursos. Desacelerar o ritmo recente do investimento em imóveis também seria uma consequência natural das "três linhas vermelhas" impostas pelo Estado às empreiteiras no ano passado: limites firmes para a proporção entre dívidas e ativos de uma empresa, para a proporção entre dívida e capital e a proporção entre caixa e dívida de curto prazo.

A política principal agora seria mudar os gastos para o consumo e se afastar do investimento menos eficaz. Isso exigiria a redistribuição da renda na direção das famílias, especialmente as mais pobres, assim como um aumento do consumo público. Tal mudança também se encaixaria no recente ataque aos privilégios dos mais ricos. Também exigiria grandes reformas, notadamente em impostos e na estrutura dos gastos públicos. Além disso, o investimento deveria ser transferido dos imóveis para a transição contra as emissões de carbono. Isso também exigiria grandes mudanças políticas.

As crises também são oportunidades. O governo chinês está bem consciente de que o grande boom de investimento em imóveis foi muito além dos limites razoáveis. A economia precisa de outros propulsores de demanda. Como o país ainda é relativamente pobre, uma desaceleração econômica prolongada, como a do Japão, é desnecessária, especialmente quando se considera o espaço para crescimento de maior qualidade. Mas o modelo baseado em investimento ineficaz chegou ao fim. Precisa ser substituído.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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