Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times juros inflação

Fed está atrasado demais para tirar a bebida da sala

Política ainda é agressivamente frouxa, embora recuperação e aumento da inflação fossem claros há muito tempo

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Em 22 de novembro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, renomeou Jay Powell como presidente do Federal Reserve, o banco central do país. Oito dias depois, Powell disse ao Congresso que era "provavelmente um bom momento para aposentar essa palavra e tentar explicar mais claramente o que queremos dizer". A palavra mágica que ele estava prestes a aposentar era "transitório".

Esse encantamento havia permitido que o Fed mantivesse uma política monetária extremamente expansionista durante uma forte recuperação acompanhada de inflação crescente. Um cético poderia pensar que houve algo mais que acidental sobre o momento de aposentar a palavra. Eu não seria capaz de comentar. Em vez disso, vamos esperar que a mudança não esteja atrasada demais.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, após audiência no Senado americano - Yuri Gripas - 12.fev.2020/Reuters

Em 1955, o presidente William McChesney Martin observou que o Fed "está na posição da tia que mandou retirar a tigela de ponche exatamente quando a festa estava esquentando". Foi uma sábia decisão, como demonstrou a turbulência monetária cerca de duas décadas depois. Perder o controle da inflação é política e economicamente prejudicial: restabelecer o controle geralmente exige uma recessão profunda. No entanto, o Fed vem correndo esse risco ultimamente, porque ainda nem começou a tirar a poncheira de alto teor alcoólico.

Se a inflação é realmente transitória não é determinado principalmente pelo que acontece nos mercados de produtos específicos. Depende mais do ambiente em que esses choques ocorrem. O risco é que, em um ambiente de políticas altamente favoráveis, como o atual, um choque de preços pode facilmente se espalhar pela economia, à medida que trabalhadores e outros produtores lutam para recuperar suas perdas.

Portanto, devemos partir do estado da economia. O Instituto de Finanças Internacionais (IFI) observa que o consumo real nos Estados Unidos já retornou totalmente à sua tendência pré-pandemia. Isso não aconteceu depois da crise financeira de 2008. O investimento empresarial e residencial também está extremamente robusto. A recuperação é mais forte do que nos outros grandes países de alta renda. A principal razão para essa saúde sólida, argumenta o IFI, foi o estímulo fiscal.

O mercado de trabalho também se recuperou substancialmente e, em algumas medidas, está aquecido. Em um artigo recente para o Instituto Peterson para Economia Internacional, Jason Furman e Wilson Powell mostram que a taxa de não-emprego na idade mais produtiva, a taxa de desemprego, o número de desempregados por vaga e a taxa de desistência são todos mais fortes que a média de 2001-2018. Os dois últimos estão em níveis recordes. Como o próprio Jay Powell observou em sua entrevista coletiva na semana passada, "as condições do mercado de trabalho são consistentes com o pleno emprego no sentido do nível mais alto de emprego compatível com a estabilidade de preços". Em outras palavras, o Fed já cumpriu sua missão em relação a empregos.

O forte mercado de trabalho também está se revelando no rápido aumento das rendas nominais, com a remuneração total para os trabalhadores civis acima da tendência pré-pandemia. No entanto, a remuneração real ficou 3,6% abaixo da tendência de dezembro de 2021. Isso ocorreu porque a inflação anual dos preços ao consumidor atingiu 7%, a taxa mais alta em quatro décadas. Até mesmo a inflação central (que não inclui itens voláteis como energia e alimentos) atingiu 5,5%. Além disso, ao contrário da crença de que isso se deve apenas a alguns itens, o IFI mostra que a inflação está acima de 2% em mais de 70% do índice ponderado. Esse aumento de preços não é um fenômeno limitado.

A taxa de aumento de preços dos itens mais escassos diminuirá, e muitos preços inclusive cairão. Mas isso não será suficiente. Uma razão é que as empresas e os trabalhadores afetados procurarão recuperar suas perdas, causando risco de uma espiral inflacionária. Outra é que a política ainda é agressivamente frouxa, dadas as atuais compras de ativos e uma taxa de fundos básica do Fed de 0,25%. Quaisquer que sejam as interrupções no fornecimento, um banco central ainda precisa calibrar as políticas conforme a demanda. No entanto, o Fed continua servindo o ponche, apesar de a festa estar se transformando numa orgia.

Banco Central dos EUA, o Fed, em Washington - Joshua Roberts - 26.jan.2022/Reuters

Além disso, diante das "defasagens longas e variáveis" na relação entre política monetária, economia e inflação descritas por Milton Friedman, é difícil acreditar que o Fed esteja perto de onde precisaria estar hoje. O próprio Fed concorda: o arrocho está a caminho. Mas a questão é se ele ainda poderá conter uma espiral inflacionária e manter as expectativas estáveis sem ter que infligir uma recessão. Será extremamente difícil conseguir isso. Os formuladores de políticas simplesmente não sabem o suficiente sobre a economia pós-pandemia para calibrar as mudanças políticas necessárias, especialmente porque estão claramente atrasadas.

Nesse contexto, as previsões de dezembro do conselho do Fed são desconcertantes. A visão mediana é que a inflação central dos preços ao consumidor cairá para 2,7% este ano e 2,3% em 2023, conforme a taxa de desemprego se estabilize em 3,5%. Enquanto isso, a previsão é que a taxa básica do Fed fique entre 0,6% e 0,9% este ano e 1,4% e 1,9% em 2023 (se deixarmos de fora as três mais altas e mais baixas).
Essas previsões estão, devemos notar, abaixo da estimativa do próprio Fed da taxa de juros neutra, que é 2,5%. Além disso, as taxas de juros reais assumidas também são negativas. Talvez os membros do conselho acreditem que as vendas agressivas de ativos proporcionarão a contração necessária por meio de taxas de longo prazo mais altas.

Alternativamente, eles têm que acreditar que a economia e a inflação se estabilizarão suavemente, mesmo que a política monetária permaneça expansionista o tempo todo.

Seria uma estabilização perfeita. É possível que as configurações de políticas escolhidas durante a pior fase da crise da Covid ainda façam sentido hoje. É concebível também que a contração prevista proporcione um crescimento robusto e uma desinflação suave. Ambos são menos improváveis do que a lua ser feita de queijo verde. Mas prováveis? Nem tanto.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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