Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Terceiro mandato de Xi Jinping é um erro trágico

Dificuldades macroeconômicas, microeconômicas e ambientais da China permanecem em grande parte sem solução

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Xi Jinping será confirmado em breve para um terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista e chefe das Forças Armadas. Sua conquista de um poder tão incontestável é boa para a China ou para o mundo? Não. É perigosa para ambos. Seria perigosa mesmo que ele tivesse provado ser um governante de competência incomparável. Mas não fez isso. Do jeito que está, os riscos são de ossificação em casa e aumento da fricção no exterior.

Dez anos é sempre suficiente. Mesmo um líder de primeira linha decai depois de tanto tempo no cargo. Um com poder incontestável tende a decair mais rapidamente. Cercado por pessoas que ele escolheu e protetor do legado que criou, o déspota se tornará cada vez mais isolado e defensivo, até mesmo paranoico.

A reforma estanca. A tomada de decisão fica mais lenta. Decisões insensatas não são contestadas e, portanto, permanecem inalteradas. A política de Covid zero é um exemplo. Se olharmos fora da China, podemos ver a loucura induzida pelo poder prolongado de Putin na Rússia. Em Mao Zedong, a China tem seu próprio exemplo. De fato, foi por causa de Mao que Deng Xiaoping, um gênio do bom senso, adotou o sistema de limites de mandatos que Xi agora está derrubando.

Imagem de Xi Jinping aparece durante show em estádio de Pequim em comemoração ao centenário do Partido Comunista
Imagem de Xi Jinping aparece durante show em estádio de Pequim em comemoração ao centenário do Partido Comunista - Thomas Peter/Reuters

A vantagem das democracias não é que elas necessariamente escolham líderes sábios e bem-intencionados. Muitas vezes escolhem o oposto. Mas estes podem ser combatidos sem perigo e dispensados sem derramamento de sangue. Nos despotismos pessoais, nada disso é possível. Em despotismos institucionalizados, a demissão é concebível, como Khrushchev descobriu. Mas é perigosa, e quanto mais dominante o líder mais perigosa se torna. É simplesmente realista esperar que os próximos dez anos de Xi sejam piores que os anteriores.

Quão ruim, então, foi sua primeira década?

Em um artigo recente no "China Leadership Monitor", Minxin Pei, do Claremont McKenna College, julga que Xi tem três objetivos principais: domínio pessoal; revitalização do partido-Estado leninista; e expansão da influência global da China. Ele foi triunfante no primeiro; formalmente bem sucedido no segundo; e teve sucesso misto no último. Embora a China seja hoje uma superpotência reconhecida, também mobilizou uma poderosa coalizão de adversários ansiosos.

Pei não inclui a reforma econômica entre os principais objetivos de Xi. A evidência sugere que isso é bastante correto. Não é. Notadamente, foram evitadas reformas que poderiam minar as empresas estatais. Controles mais rígidos também foram impostos a empresários chineses famosos, como Jack Ma.

Acima de tudo, as profundas dificuldades macroeconômicas, microeconômicas e ambientais continuam em grande parte por resolver.

Todas as três foram resumidas na descrição da economia feita pelo ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, como "instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável".

Os problemas macroeconômicos fundamentais são o excesso de poupança, seu concomitante excesso de investimento e seu corolário, montanhas crescentes de dívida improdutiva. Essas três coisas andam juntas: uma não pode ser resolvida sem resolver as outras duas. Ao contrário da tese amplamente compartilhada, o excesso de poupança é apenas parcialmente o resultado da falta de uma rede de segurança social e consequente alta poupança das famílias. É tão grande porque a renda disponível das famílias é uma parcela tão baixa da renda nacional, com grande parte do resto consistindo em lucros.

O resultado é que a poupança e o investimento nacionais estão acima de 40% do Produto Interno Bruto. Se o investimento não fosse tão alto, a economia estaria em queda permanente. Mas, como o potencial de crescimento diminuiu, grande parte desse investimento tem sido em construções improdutivas e financiadas por empréstimos. Esse é um remédio de curto prazo com os efeitos colaterais adversos de longo prazo de dívidas incobráveis e queda do retorno sobre o investimento. A solução não é apenas reduzir a poupança das famílias, mas aumentar a participação das famílias na renda disponível. Ambos ameaçam interesses pessoais poderosos e não aconteceram.

Os problemas microeconômicos fundamentais têm sido a corrupção generalizada, a intervenção arbitrária nos negócios privados e o desperdício no setor público. Além disso, a política ambiental, principalmente as enormes emissões de dióxido de carbono do país, continua sendo um imenso desafio. Para seu crédito, Xi reconheceu essa questão.

Mais recentemente, Xi adotou a política de manter afastado um vírus que circula livremente no resto do mundo. A China deveria ter importado as melhores vacinas globais e, depois de administradas, reabrir o país. Isso teria sido sensato e também indicaria uma fé continuada na abertura e na cooperação.

O programa de controle central renovado de Xi não é surpreendente. Foi uma reação natural ao impacto erosivo de maiores liberdades em uma estrutura política baseada em um poder que é inexplicável, exceto de baixo para cima. A corrupção generalizada foi o resultado inevitável. Mas o preço de tentar suprimi-la são a aversão ao risco e a ossificação. É difícil acreditar que uma organização de cima para baixo sob o controle absoluto de um homem possa governar uma sociedade cada vez mais sofisticada de 1,4 bilhão de pessoas com sensatez, quanto mais efetivamente.

Também não surpreende que a China tenha se tornado cada vez mais assertiva. A relutância ocidental em se adaptar à ascensão da China é claramente parte do problema. Mas também tem sido a hostilidade aberta da China aos valores centrais que o Ocidente (e muitos outros) prezam. Muitos de nós não podemos levar a sério a adesão da China aos ideais políticos marxistas que comprovadamente não tiveram sucesso em longo prazo.

Sim, o ecletismo brilhante de Deng funcionou, pelo menos enquanto a China era um país em desenvolvimento. Mas a reimposição das velhas ortodoxias leninistas na China altamente complexa de hoje deve ser, na melhor das hipóteses, um beco sem saída. Na pior, como Xi permanece indefinidamente no cargo, pode ser algo ainda mais perigoso do que isso, para a própria China e para o resto do mundo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.