Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times mudança climática

Os otimistas estavam certos, e podem estar novamente

Não podemos esperar por mais um período de catástrofe antes de tentarmos a renovação

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Financial Times

Nosso mundo está melhorando e provavelmente continuará melhorando, ou está à beira de uma catástrofe? As pessoas que pensam sobre essas questões tendem a se dividir nitidamente entre os alegres otimistas, que acreditam na primeira hipótese, e os sombrios pessimistas, que insistem na segunda. Estou no primeiro campo. Mas também faria uma ressalva importante. A continuidade do progresso depende do gerenciamento dos perigos que nós mesmos criamos. Entre eles estão a destruição do meio ambiente planetário e a guerra termonuclear. Para ter sucesso, devemos superar as forças de divisão, dentro dos países e entre eles, que ameaçam a estabilidade social, a cooperação global e a paz. Em suma, o mundo pode ser um lugar melhor. Mas não podemos presumir que será.

Áreas de garimpo ilegal na Floresta Amazônica, na região da bacia do Rio Tapajós - Pedro Ladeira - 15.fev.2022/Folhapress

Uma visão otimista do passado está contida no Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2002 do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e em Pobreza e Prosperidade Compartilhada 2022 do Banco Mundial. Este último mostra, por exemplo, que a proporção da população mundial que vive em extrema pobreza (agora medida com uma renda menor que US$ 2,15 por dia) caiu de quase 60% em 1950 para 8,4% em 2019. Isso é impressionante. Da mesma forma, o índice de desenvolvimento humano da ONU –um amálgama de renda nacional per capita, anos de escolaridade e expectativa de vida ao nascer– também mostra um aumento substancial e constante de 1990 a 2019. Mais uma vez, o Relatório sobre a Felicidade Mundial 2022 mostra que os países mais felizes são prósperos –e, curiosamente, pequenos–, com Finlândia e Dinamarca no topo da lista. A prosperidade média pode não ser condição suficiente para uma maior felicidade. Mas a prosperidade ajuda.

Não surpreendentemente, a pandemia reverteu o progresso. O número de pessoas em extrema pobreza saltou de 648 milhões em 2019 para 719 milhões em 2020. Pior ainda, pode significar que os números da extrema pobreza serão permanentemente maiores do que seriam de outra forma. Mais uma vez, estima-se que o índice de desenvolvimento humano tenha diminuído em 2020 e 2021, apagando os ganhos dos cinco anos anteriores. As crises energética e alimentar provocadas pela guerra da Rússia na Ucrânia certamente prolongarão as perdas. As consequências humanas desses choques gêmeos são inquestionavelmente enormes.

Pode-se supor que o serviço econômico normal será finalmente retomado. No entanto, o Relatório de Desenvolvimento Humano sugere que essa esperança pode não se concretizar. Aponta para o atual "complexo de incerteza", conforme as crises se acumulam umas sobre as outras. A Covid-19 não é, sugere o estudo, um "longo desvio do normal; é uma janela para uma nova realidade".

No entanto, também é verdade, como mostra o relatório, que a resposta à Covid incluiu a rápida descoberta e desenvolvimento de vacinas eficazes. Assim, "somente em 2021, os programas de vacinação contra a Covid-19 evitaram quase 20 milhões de mortes". A distribuição dessas vacinas foi terrivelmente desigual, e a resposta muitas vezes é de hostilidade ignorante. Mas elas funcionaram. Então, por que ser tão pessimista?

Esse "complexo de incerteza", sugere o relatório, consiste em três elementos: as mudanças planetárias do "Antropoceno" –o período de mudanças na biosfera induzidas pelo homem; profundas mudanças sociais e tecnológicas; e polarização política, dentro e entre as sociedades. O primeiro é realmente novo. Tanto o segundo como o terceiro são característicos do nosso mundo desde o século 19. O que é novo hoje é como as forças planetárias interagem com as domésticas. Não podemos agora resolver nossos problemas domésticos sem resolver os globais. Mas também podemos achar impossível resolver nossos problemas globais sem primeiro resolver os problemas domésticos.

O relatório fornece evidências fascinantes sobre três aspectos dessas dificuldades domésticas, enraizadas, segundo afirma, na incerteza. Primeiro, há níveis crescentes de sofrimento mental. Surpreendentemente, os dados "pintam um quadro intrigante no qual as percepções das pessoas sobre suas vidas e suas sociedades contrastam fortemente com medidas historicamente altas de bem-estar agregado". Em segundo lugar, as pessoas inseguras podem ser atraídas por "identidades sociais que se tornam um 'antídoto' para a incerteza, identidades sociais que são em parte afirmadas como sendo diferentes –no limite completamente opostas– das outras". Finalmente, esse processo pode levar à polarização política e, para dar um exemplo preocupante, à rejeição das normas democráticas.

Esses fenômenos domésticos, agravados pela desigualdade, interagem com as mudanças no poder global e influenciam para desestabilizar as relações internacionais. Assim, a interação dos conflitos domésticos com os globais torna ainda mais difícil sustentar a paz mundial e a estabilidade planetária.

Essa ênfase na interação entre os desenvolvimentos sociais, tecnológicos, econômicos e políticos pode acrescentar uma dimensão às discussões sobre a "policrise". Mas isso não torna mais fácil enfrentar os próprios desafios.

O próprio relatório sugere três itens: investimento, seguro e inovação. Todos os três fazem sentido. Se quisermos melhorar o desempenho de nossas economias e enfrentar os desafios planetários, precisamos aumentar o investimento em todo o mundo, e não apenas em economias historicamente bem-sucedidas. Em segundo lugar, o seguro social contra riscos não seguráveis, como a perda de emprego, o declínio da indústria ou problemas de saúde, ajudará a reduzir a insegurança. Em terceiro lugar, precisamos de inovação. Mas os mais importantes hoje podem ser sociais e políticos. O último período dessa renovação foi em meados do século 20. Não podemos esperar por um segundo período de catástrofe antes de tentar a renovação mais uma vez.

Fizemos um progresso real, embora tenha sido distribuído de forma desigual dentro e entre os países. Mas, como sempre foi verdade, o progresso cria novos problemas. Também tropeçamos, muitas vezes feio, em nosso caminho para as respostas. Se a visão otimista que ainda tenho for verdadeira, temos que tropeçar mais rápido.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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