Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

G7 deve aceitar que não pode governar o mundo

Hegemonia americana e domínio econômico do grupo agora são história

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"Adeus G7, olá G20." Esse foi o título de um artigo do The Economist sobre a primeira cúpula do Grupo dos 20 em Washington em 2008, argumentando que representava "uma mudança decisiva na velha ordem". Hoje, as esperanças de uma ordem econômica global cooperativa, que atingiram seu ápice na cúpula do G20 em Londres em abril de 2009, evaporaram.

No entanto, dificilmente é um caso de "Adeus G20, olá G7". O mundo anterior de dominação do G7 é ainda mais distante que o da cooperação do G20. Nem a cooperação global nem a dominação ocidental parecem viáveis. O que pode acontecer? Infelizmente, "divisão" pode ser uma resposta e "anarquia", outra.

Mulher desce escadaria pintada com o logo do G7 em Niigata, no Japão - Issei Kato - 10.mai.23/Reuters

Não é o que sugere o comunicado do encontro dos chefes de governo do G7 em Hiroshima, no Japão, que é incrivelmente abrangente.

Inclui: Ucrânia; desarmamento e não proliferação; a região do Indo-Pacífico; a economia global; a mudança climática; o meio ambiente; energia, incluindo energia limpa; resiliência econômica e segurança econômica; comércio; segurança alimentar; saúde; trabalho; educação; digital; ciência e tecnologia; gênero; direitos humanos, refugiados, migração e democracia; terrorismo, extremismo violento e crime organizado transnacional; e relações com China, Afeganistão e Irã (entre outros países).

Com 19 mil palavras, parece um manifesto por um governo mundial. Em contraste, o comunicado da cúpula do G20 em Londres, em abril de 2009, tinha pouco mais de 3 mil palavras. Essa comparação é injusta, dado o foco na crise econômica naquele momento. Porém, uma lista de desejos sem foco não pode ser útil: quando tudo é prioridade, nada é.

Além disso, tanto o momento "unipolar" dos Estados Unidos quanto o domínio econômico do G7 são história.

É verdade que este último ainda é o bloco econômico mais poderoso e coeso do mundo. Continua, por exemplo, a produzir todas as principais moedas de reserva. No entanto, entre 2000 e 2023, sua participação na produção global (em poder de compra) terá caído de 44% para 30%, enquanto a de todos os países de alta renda terá caído de 57% para 41%. Enquanto isso, a participação da China terá subido de 7% para 19%.

A China é hoje uma superpotência econômica. Por meio de sua Belt and Road Initiative (BRI ou, Nova Rota da Seda), tornou-se um grande investidor em (e credor de) países em desenvolvimento, embora, previsivelmente, esteja tendo que lidar com as consequentes dívidas incobráveis tão familiares aos países do G7.

Para alguns países emergentes e em desenvolvimento, a China é um parceiro econômico mais importante do que o G7: o Brasil é um exemplo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter participado do G7, mas não pode ignorar, sensatamente, o peso da China.

O G7 também está alcançando outros: sua reunião no Japão incluiu Índia, Brasil, Indonésia, Vietnã, Austrália e Coreia do Sul. Porém, 19 países, aparentemente, se inscreveram para ingressar no Brics, que já inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Quando Jim O'Neill inventou os Brics, em 2001, pensou que seria uma categoria economicamente relevante. Eu pensei que os Brics seriam apenas China e Índia. Economicamente, estava certo. Porém, os Brics agora parecem estar a caminho de ser um agrupamento mundial relevante.

Claramente, o que une seus membros é o desejo de não depender dos caprichos dos EUA e de seus aliados próximos, que dominaram o mundo nos últimos dois séculos. Por quanto tempo, afinal, pode (ou, aliás, deveria) o G7, com 10% da população mundial, continuar assim?

Às vezes, a pessoa simplesmente tem que se ajustar à realidade. Deixe de lado por enquanto os objetivos políticos dos membros do G7, que incluem justamente a necessidade de preservar a democracia em casa e defender suas fronteiras –hoje, sobretudo, na Ucrânia.

Esta é de fato a luta do Ocidente, mas é improvável que um dia seja a do mundo, cuja maior parte tem outros problemas e preocupações, mais prementes. Foi bom que o presidente Volodimir Zelensky tenha participado da cúpula. No entanto, só o Ocidente determinará a sobrevivência da Ucrânia.

Se nos voltarmos para a economia, também é bom que a noção de dissociação, um absurdo prejudicial, tenha se transformado em uma ideia de "eliminação de riscos". Se esta puder ser transformada em formulação de políticas focada e racional, será ainda melhor, mas será muito mais difícil fazer isso do que muitos agora parecem imaginar.

É coerente diversificar os suprimentos de energia, matérias-primas e componentes vitais. Contudo, para usar um exemplo notável, apenas diversificar o fornecimento de chips avançados de Taiwan será realmente difícil.

Uma questão ainda maior é como a economia global deve ser administrada.

O FMI e o Banco Mundial serão bastiões do poder do G7 em um mundo cada vez mais dividido? Em caso afirmativo, como e quando eles obterão os novos recursos de que precisam para lidar com os desafios atuais?

Como também se coordenarão com as organizações que a China e seus aliados estão criando? Não seria melhor admitir a realidade e ajustar as cotas e participações, reconhecer as grandes mudanças de poder econômico no mundo?

A China não vai desaparecer. Por que não devemos permitir que ela tenha mais voz em troca de uma participação plena nas negociações de dívidas? De modo semelhante, por que não deveríamos reanimar a OMC (Organização Mundial do Comércio), em troca do reconhecimento do gigante asiático de que não pode mais esperar ser tratada como um país em desenvolvimento?

Além de tudo isso, devemos reconhecer que qualquer conversa sobre "reduzir o risco" que não se concentre nas duas maiores ameaças que enfrentamos –as da guerra e do clima– é coar mosquitos enquanto se engolem camelos.

Sim, o G7 deve defender seus valores e seus interesses, mas não pode governar o mundo, mesmo que o destino do mundo também seja o de seus membros. É preciso encontrar um caminho para a cooperação, mais uma vez.

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves

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