G7 chega ao fim sem encontro entre Lula e Zelenski e com ar de frustração

Líder do país em guerra rouba cena de cúpula no Japão, e Estados-membros do grupo encerram evento sem atingir objetivos

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Hiroshima

Membros e convidados da cúpula do G7 ocorrida em Hiroshima, no Japão, neste fim de semana, tinham grandes planos para o encontro. Mas a aparição surpresa do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, mudou os rumos do evento —e fez com que, ao final, nenhum dos participantes atingisse completamente seus objetivos.

A começar pelo próprio Zelenski, que tinha expressado o desejo de se reunir com os líderes do Brasil e da Índia ao anunciar sua ida, parte de um esforço de convencer países do Sul Global que insistem em não aderir à coalizão anti-Rússia. Mas só o primeiro dos dois objetivos foi cumprido.

Entre os líderes reunidos na sessão sobre paz no domingo, na cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão, o ucraniano Volodimir Zelenski (sentado à esq.) e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (dir.) - Ricardo Stuckert/PR

O encontro ficou em suspenso durante a maior parte do sábado (20), o dia mais importante da cúpula. Na manhã do domingo (21) —noite da véspera no Brasil—, a comitiva brasileira anunciou ter concordado com a solicitação de Zelenski e afirmou que ofereceu mais de um horário para a reunião naquela tarde.

Mas por volta das 19h, a equipe de Lula informou a jornalistas que aguardavam desde o início da tarde a chegada do líder da nação do Leste Europeu que o encontro entre os dois não aconteceria mais.

Questionado durante entrevista com a imprensa se estava frustrado por não ter enfim conversado pessoalmente com o homólogo brasileiro, Zelenski minimizou o desencontro: "Acho que ele [Lula] ficou desapontado".

Mais tarde, também em encontro com jornalistas, Lula disse não estar propriamente decepcionado, e sim "chateado" com a ausência da reunião. "Gostaria de encontrar com ele e discutir o assunto", disse, em referência à sua proposta de mediação de paz da guerra entre Moscou e Kiev.

"Mas veja, o Zelenski é maior de idade, ele sabe o que faz", prosseguiu, acrescentando que, embora o encontro não tenha se efetivado agora, haverá outras oportunidades no futuro. O petista afirmou que o motivo pelo qual não se reuniu com o homólogo ucraniano foi porque ele "não apareceu" no horário marcado por sua equipe.

"Se ele teve um outro problema mais sério, um encontro mais importante, eu não sei. O dado concreto é que estava marcado aqui nesse salão às 15h15 o encontro com Zelenski. Esperamos, recebemos informação de que eles tinham atrasado e, enquanto isso, atendi [o líder] do Vietnã. Ele foi embora, e a Ucrânia não apareceu. Simplesmente foi isso que aconteceu."

Lula disse ainda manter a mesma posição de antes, de defesa de um cessar-fogo e de negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. "Estou tentando, com a Índia, a China, a Indonésia e outros países, construir um bloco para tentar uma política de paz no mundo. Somos um grupo de países do Sul que querem encontrar a paz que o Norte não está conseguindo fazer", disse.

E advogou novamente por uma reforma de órgãos multilaterais como a ONU, afirmando que os próprios membros de seu comitê mais poderoso, o Conselho de Segurança, é que fazem as guerras —caso da Rússia na Ucrânia. "Os membros do Conselho de Segurança não obedecem ao Conselho de Segurança", prosseguiu.

Desse modo, o único encontro de Lula e Zelenski acabou sendo na sessão de trabalho sobre paz, estabilidade e prosperidade global que dividiram com os demais líderes do G7 e convidados da cúpula, por volta de 12h —ainda que eles não tenham se falado diretamente. Uma fonte que solicitou anonimato afirmou, porém, que agora Brasília não pode ser acusada de má vontade em relação a Kiev.

No discurso que fez diante de Zelenski, Lula afirmou condenar a "violação da integridade territorial da Ucrânia" e repudiar "veementemente o uso da força como meio de resolver disputas". Disse ainda que é preciso lembrar que as guerras hoje "vão muito além da Europa", como no caso do Oriente Médio e do Haiti —uma aparente alfinetada no protagonismo que o conflito entre Moscou e Kiev ganhou na agenda internacional.

Um vídeo divulgado pela agência de notícias AFP mostra o momento em que o líder ucraniano entra na sala da reuniões e diversos líderes mundiais se levantam para cumprimentá-lo. Lula, do outro lado da sala e distante da porta de entrada, permanece sentado, aparentemente concentrado na leitura de um documento e usando o fone de ouvido usado para tradução simultânea. Ao seu lado, Joe Biden também não se levanta.

Zelenski havia se encontrado com outro de seus alvos preferenciais no evento, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, no sábado. Nela, o premiê afirmou que faria "todo o possível" para buscar uma solução para a guerra, mas não fez ofertas mais concretas —o país asiático se tornou o maior comprador do petróleo russo após o início do conflito, minando os esforços da Otan, a aliança militar ocidental, para sufocar financeiramente o regime do presidente russo, Vladimir Putin.

Apesar do entusiasmo dos líderes do Ocidente ao receber o ucraniano, a presença dele também não se deu sem um custo para o grupo. Transmitida ao vivo pela TV, a chegada de Zelenski a Hiroshima desviou a atenção de um dos comunicados finais do grupo, com conteúdo fortemente anti-China —o país asiático, que havia condenado publicamente o texto, convocou o embaixador do Japão, anfitrião da cúpula, neste domingo, um ato de reprimenda na prática diplomática.

Mesmo assim, Joe Biden repetiu a mensagem último dia da cúpula, afirmando em encontro com jornalistas que os países do G7 concordaram em relação à necessidade de diversificar cadeias de suprimentos para não depender do regime de Xi Jinping.

"Não queremos romper com a China. Queremos reduzir riscos e diversificar nosso relacionamento", disse. A relação entre as duas maiores economias do mundo enfrenta um momento de tensões crescentes, sobretudo depois que os EUA derrubaram um balão chinês que sobrevoava seu território no início do ano, desencadeando uma crise diplomática.

O democrata também reafirmou seu alinhamento a Zelenski após reunião entre os dois e, em meio à guerra de versões entre Rússia e Ucrânia sobre a tomada de Bakhmut, foco de enfrentamentos nos últimos meses, por Moscou, disse que o Ocidente "não vai vacilar" em seu apoio a Kiev. "Putin não vai interromper nossa determinação, como acreditava que podia fazer", afirmou.

Os EUA são um dos maiores aliados da Ucrânia, e lideram o esforço da Otan, a aliança militar ocidental, enviando armas ao país invadido e propondo sanções contra o invasor. Encontros internacionais como o do G7 são em geral usados por Zelenski para pedir mais equipamentos para o campo de batalha —e não foi diferente desta vez. No domingo, o líder voltou a pedir caças F-16 ocidentais para ajudar a repelir a invasão russa.

Por meses, Biden resistiu às solicitações, dizendo que eles não eram imediatamente necessários. Uma das preocupações de seu país era de que as aeronaves de combate fossem usadas para atingir alvos em territórios da Rússia e escalar o conflito. Putin levantou em várias oportunidades a bandeira de sua doutrina nuclear como estratégia de dissuasão, e se seu país fosse alvo de um ataque ucraniano com armas ocidentais, teoricamente seu Exército poderia acionar seu arsenal nuclear e desencadear o que, na prática, seria uma Terceira Guerra Mundial.

Durante a cúpula, o americano pareceu ter cedido, porém, dizendo a repórteres ter recebido uma "garantia absoluta" do presidente ucraniano de que não usaria os caças para atacar o território russo, algo de que a o Kremlin vem acusando o país invadido nas últimas semanas. Foi decerto uma vitória de Zelenski, mas mais um exemplo de que a cúpula acabou deixando-se dominar pela Guerra da Ucrânia.

Enquanto isso, Tóquio, que tinha organizado uma lista de convidados com a nítida de intenção de envolver o Sul Global, chamando além de Brasil e Índia países como Indonésia e Vietnã, viu sua tentativa ser restrita a declarações pontuais, como aquelas do próprio Lula ou a de seu primeiro-ministro, Fumio Kishida, afirmando desejar preencher a lacuna entre o G7 e o Sul Global em áreas como energia e segurança alimentar.

Com Reuters e AFP

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