Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times G20 Acordo de Paris

Precisamos do G20; mas para que ele serve?

É essencial transformar a escala e a natureza do financiamento para o desenvolvimento e o meio ambiente

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Financial Times

Se o G20 não existisse, teríamos que inventá-lo. Alguns diriam que o mundo está tão dividido que esse grupo é impraticável. No entanto, esse fato apenas torna o G20, ou algo semelhante, ainda mais essencial: não é preciso falar com pessoas com quem já concordamos.

Uma justificativa ainda mais forte para sua existência é que não somos mais capazes de viver em bolsões isolados: a saúde do nosso planeta e da nossa economia depende da nossa cooperação. Os desafios globais são mais prementes do que nunca, e daí também a necessidade de trabalhar em conjunto num grupo desse tipo.

A questão, portanto, não é se precisamos do G20, mas qual a melhor forma de utilizá-lo. Quão bem o governo indiano liderou isso? Que lições devemos tirar dessa experiência para o seu futuro?

Compreensivelmente, o governo indiano usou o G20 como uma celebração da Índia e do seu papel crescente no mundo. Também conseguiu obter aceitação para a adesão plena da União Africana. Este último é, de fato, um passo no sentido de uma maior legitimidade para o G20.

Uma questão mais importante, entretanto, é se o mundo ficou mais perto de resolver alguns de seus maiores desafios. Aqui há três preocupações óbvias.

O presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente Lula durante a cúpula do G20 - Evelyn Hockstein - 9.set.2023/Reuters

A primeira é a divisão. A ausência de Vladimir Putin e Xi Jinping na recente cúpula de Nova Déli salienta que vivemos numa época de conflito. A existência de uma superpotência nuclear inconfiável é uma enorme ameaça ao nosso futuro. Igualmente preocupante é a aparente decisão do líder chinês de não se envolver diretamente com pares globais, exceto em instituições dominadas pela China, como os Brics. Sua ausência também é um mau presságio para a gestão do nosso futuro comum.

A segunda é a sobrecarga. Como observei em maio, o comunicado da extremamente bem-sucedida reunião do G20 em Londres, em abril de 2009, tinha pouco mais de 3.000 palavras. Também se concentrou na estabilização do sistema financeiro e no resgate da economia mundial. A crise concentrou a mente. É inevitável que a atual abordagem dos líderes mundiais seja mais difusa. Mas seriam necessárias todas as cerca de 13 mil palavras da declaração da cúpula de Déli? Ela abrange quase tudo o que se poderia incluir. Como pode o progresso ser monitorado e avaliado numa agenda tão extensa? A resposta, como sabemos pelos esforços anteriores do G20, é que não pode: grande parte dela desvanecerá.

A terceira é a hipocrisia. Todos sabemos que os líderes não cumprem o que prometem. A declaração afirma, por exemplo, que "Reafirmamos nosso compromisso com a tolerância zero à corrupção". A realidade, porém, é que o G20 contém alguns dos países mais corruptos do mundo. A declaração afirma também que "continuamos empenhados em melhorar a participação plena, igualitária, eficaz e significativa das mulheres como tomadoras de decisões para enfrentar os desafios globais". Mas lembre-se que a Arábia Saudita é membro.

A hipocrisia, alguém poderia dizer, é a homenagem que o vício presta à virtude. Mas isso não constitui um grande conforto, mesmo quando diz respeito às questões globais mais importantes da atualidade –o aumento das temperaturas e a combinação do agravamento da pobreza com dívidas incontroláveis em muitos países em desenvolvimento.

O comunicado afirma, por exemplo, que "reconhecemos a necessidade de aumentar os investimentos globais para cumprir nossos objetivos climáticos do Acordo de Paris e aumentar rápida e substancialmente o investimento e o financiamento climático de bilhões para trilhões de dólares em nível mundial, provenientes de todas as fontes". No entanto, isso significa que eles farão algo relevante a respeito? Afinal de contas, a frase seguinte promete aumentar "o financiamento, o desenvolvimento de capacidades e a transferência de tecnologia em termos voluntários e mutuamente acordados". Esse "voluntários e mutuamente acordados" já sugere que nada vai acontecer.

De longe, a contribuição mais importante da presidência indiana poderá continuar sendo os relatórios encomendados sobre o reforço do financiamento para o desenvolvimento e o ambiente, preparados por um grupo de peritos liderado por Lawrence Summers, da Universidade Harvard, e por N.K. Singh, um destacado funcionário público indiano. O primeiro desses relatórios foi publicado no final de junho. Um segundo supostamente virá mais tarde.

A realidade por trás desses relatórios é que o mundo precisa aumentar enormemente o investimento se quiser cumprir seus objetivos de desenvolvimento e ambientais, como é preciso. Uma grande parte de todos os novos investimentos tem de ser feita nos países em desenvolvimento. Mas a maioria deles carece dos recursos internos, do know-how, ou de ambos, para alcançar o que é necessário.

Além disso, também não conseguem acesso ao capital estrangeiro na escala e nas condições necessárias. Pelo contrário, à medida que as taxas de juro aumentaram nos mercados de capitais globais, seu acesso piorou enormemente e muitos estão em situação de profunda dificuldade.

Conhecemos as soluções. É necessário haver muito mais financiamento oficial, sob diversas formas. Grande parte dele deverá estimular fluxos privados consideravelmente maiores, por meio do compartilhamento de riscos. Isso, por sua vez, exigirá uma combinação de alívio substancial da dívida, orquestrado pelo FMI, fluxos concessionais muito maiores para os países mais pobres, substancialmente mais capital próprio nos bancos multilaterais de desenvolvimento, nomeadamente o Banco Mundial, e também graus de alavancagem mais elevados nesses bancos. Isto, por sua vez, exigirá reformas de governança, incluindo nas ações com direito a voto.

Essa agenda é radical, essencial e urgente. Para que seja realizada num futuro relativamente próximo, deverá se tornar um foco dominante na formulação de políticas econômicas globais. A boa notícia é que as decisões dos países ocidentais e dos principais países emergentes poderão fazer com que isso aconteça. Mas eles precisam se concentrar no que é urgente. Devem focar sua atenção em transformar a escala e a natureza do financiamento para o desenvolvimento e o meio ambiente. Palavras bonitas sem determinação para agir nada significam.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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