Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

Forças do mercado não são suficientes para frear mudanças climáticas

Ritmo da transição para energia limpa precisa ser acelerado de forma significativa

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Financial Times

No cerne das tentativas de conter as prejudiciais mudanças climáticas estão duas ideias: descarbonizar a eletricidade e eletrificar a economia. Então, como está indo? Mal, essa é a resposta.

As coisas mudarão em breve? Não no trajeto atual. Pior, a política, sempre difícil, tornou-se ainda mais: as pessoas simplesmente não querem pagar o preço de descarbonizar a economia.

Aqui está um fato alarmante: em 2023, a produção de eletricidade gerada por combustíveis fósseis atingiu um pico histórico. A participação da eletricidade produzida dessa forma de fato caiu, de 67% em 2015 (data do Acordo de Paris) para 61% em 2023. Mas a produção global de eletricidade aumentou 23% nesses oito anos.

Extração de petróleo na Rússia - Alexander Manzyuk - 4.jun.2023/Reuters

Como resultado, mesmo que a geração via fontes não fósseis (incluindo nuclear) tenha aumentado impressionantes 44%, a geração via combustíveis fósseis aumentou 12%. Infelizmente, a atmosfera responde às emissões, não às boas intenções: temos corrido para frente, mas retrocedendo.

A explicação para esse aumento explosivo na geração de eletricidade é o desejo das pessoas e empresas em países emergentes e em desenvolvimento de desfrutar dos estilos de vida intensivos em energia dos países de alta renda.

Como estes últimos não têm intenção de abrir mão disso, como podem reclamar? Sim, existe um movimento politicamente irrelevante de "de-growth" [decrescimento]. Mas impedir o crescimento, mesmo que fosse politicamente aceitável (o que não é!), não eliminaria a demanda por eletricidade. Isso exigiria que revertêssemos o crescimento dos últimos 150 anos.

A única solução é uma descarbonização mais rápida e, portanto, um maior investimento em eletricidade gerada por energias renováveis, nuclear, ou qualquer fonte que não seja a queima de combustíveis fósseis.

Mas temos que reconhecer que, até agora, apesar de toda a conversa, as emissões não estão diminuindo e, portanto, tanto os estoques de gases de efeito estufa na atmosfera quanto as temperaturas globais estão aumentando.

Uma resposta muito mais perigosa a isso, porque é muito mais politicamente potente, vem dos opostos dos defensores do decrescimento —os defensores do livre mercado e nacionalistas. É: "Quem se importa? Deixe a economia baseada em combustíveis fósseis prosperar."

Para esse ponto de vista, um artigo recente de pesquisadores do Potsdam Institute for Climate Impact oferece uma contraposição importante.

Ele conclui que "a economia mundial está comprometida com uma redução de renda de 19% até 2050", com uma faixa provável de 11% a 29%, dada a incerteza, em relação ao que teria acontecido sem as mudanças climáticas.

A palavra "comprometida" aqui descreve apenas o resultado das emissões passadas e cenários futuros "socioeconomicamente plausíveis", ou "negócios como de costume".

O estudo também afirma que os custos de mitigar isso, limitando o aumento da temperatura para 2°C, são apenas um sexto dos custos da provável mudança climática. Ele acrescenta que as maiores perdas serão infligidas aos países mais pobres em "latitudes mais baixas" (o atual "Sul Global"), que não são responsáveis pela armadilha em que se encontram.

Não é necessário acreditar em uma análise específica como essa. Mas é necessário acreditar na física não muito sofisticada do aquecimento global e na loucura de conduzir experimentos irreversíveis de longo prazo no único planeta habitável que temos.

Além disso, está claro agora que as previsões passadas sobre o aquecimento global provaram estar em grande parte corretas. Persistir no ceticismo é imoral e estúpido.

Mesmo um fanático do livre mercado não pode negar que as externalidades ambientais são uma forma de falha de mercado. O clima é a maior externalidade de todas.

Ele também cria o maior problema de ação coletiva possível, que não afeta apenas toda a humanidade, mas também tem enormes consequências distribucionais dentro das e entre gerações.

Até recentemente, eu ainda tinha esperança de que pudéssemos ter sorte: as forças de mercado (mais os massivos investimentos da China) poderiam levar o mundo em direção às energias renováveis rápido o suficiente.

Isso não parece mais plausível, porque o ritmo da transição para as energias renováveis precisa ser acelerado de forma significativa (além dos muitos outros investimentos necessários).

No livro "The Price is Wrong: Why Capitalism Won’t Save the Planet", Brett Christophers argumenta que o preço em queda da eletricidade gerada por fontes renováveis não as torna um investimento atraente para os investidores: são os lucros, não os custos marginais, que importam.

Se Christophers estiver certo, será necessário alguma combinação de pesados impostos sobre o carbono, subsídios de longo prazo e mudanças no desenho dos mercados de eletricidade. Isso não é tudo.

Conforme argumentam Lord Nicholas Stern e Joseph Stiglitz em "Climate Change and Growth" [Mudanças Climáticas e Crescimento], um dos problemas mais importantes nessa área é a falha dos mercados de capitais em precificar adequadamente o futuro.

Assim, os retornos que os investidores de hoje buscam implicam que o bem-estar das futuras gerações é quase irrelevante. Isso só faz sentido se pudermos partir do pressuposto que o futuro estará bom. Mas e se as decisões dos investidores garantirem que não estará?

Então as instituições —governos, evidentemente— devem influenciar, se não anular, essas decisões. Isso fortalece o argumento para influenciar (ou estabelecer) o custo de capital. Isso é especialmente importante para países emergentes e em desenvolvimento, onde os custos de capital são punitivos.

Um importante artigo recente do Bruegel, "The economic case for climate finance at scale" [O caso econômico para financiamento climático em larga escala], apresenta um argumento convincente para financiar uma saída acelerada desses países de sua dependência do carvão.

Daqui a cem anos, as pessoas provavelmente se lembrarão de nossa era como o momento em que, conscientemente, deixamos como herança um clima desestabilizado.

O mercado não resolverá essa falha de mercado global. Mas a fragmentação política atual e o populismo doméstico tornam quase inconcebível que a coragem necessária surja. Falamos muito. Mas achamos efetivamente impossível agir na escala necessária. Isso é uma falha trágica.

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