Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mourão, chanceler

Vice passa a assumir papel dominante nas relações internacionais do país

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O vice-presidente Hamilton Mourão durante entrevista no Palácio do Planalto - Sergio Lima - 21.fev.2019/AFP

Em dois meses no Itamaraty, Ernesto Araújo quase empurrou o Brasil para o primeiro conflito com um país vizinho desde 1870, alienou aliados europeus, árabes e asiáticos e ridicularizou a instituição que chefia com as suas manifestações públicas. 

Esse espetáculo de amadorismo precipitou uma intervenção da ala militar do governo, encabeçada pelo general Hamilton Mourão

As imagens da televisão, os relatos das reuniões e as agendas das autoridades dos últimos 15 dias revelam que o vice-presidente deixou de ser apenas o confidente de embaixadores desamparados para assumir um papel dominante nas relações internacionais. 

Diante do ocaso de Araújo e da afirmação de Mourão, é imperativo analisar a diplomacia brasileira sob o prisma da trajetória e do posicionamento do vice-presidente, que ficará a cargo de tomar decisões operacionais e definir estratégias. 

Araújo, do seu lado, será responsável por propagar teorias conspiratórias nas redes sociais, mediar iniciativas estéreis como a alteração das capas dos passaportes e, nos melhores momentos, organizar agendas vazias e sensacionalistas com os aliados ideológicos, como Viktor Orbán e Benjamin Netanyahu, descreditado por escândalos de corrupção e paralisado por disputas eleitorais. 

A partir de agora, a distinção entre o chanceler de fato e o de jure deve ser utilizada para fazer a diferença entre a realidade e a propaganda.

Para o novo comandante das relações exteriores, a prioridade absoluta será a redução da ameaça à segurança nacional que representa a situação de conflito iminente na fronteira norte.

Antigo adido militar em Caracas na altura em que os dois países cooperavam ativamente no plano militar, Mourão está preparado para acompanhar as dinâmicas internas das Forças Armadas venezuelanas. 

A abordagem realista do vice-presidente, e a nada surpreendente resiliência da ditadura de Nicolás Maduro, reforçam o cenário de uma transição doméstica conduzida por uma facção dissidente do alto-comando.

Uma alternativa pragmática ao plano inicial de provocar a sucessão de Maduro por Juan Guaidó por meio de uma hollywoodiana pressão externa. 

As relações com as potências não ocidentais, absurdamente ignoradas por Araújo, também representam outro urgente desafio. 

Em difícil recuperação econômica, o Brasil não se pode dar ao luxo de se afastar da China, o seu maior parceiro comercial, e hostilizar a Rússia, sempre atenta a oportunidades para desestabilizar a América do Sul. 

Caberá a Mourão restaurar a confiança dos países-membros dos Brics a tempo da próxima reunião de cúpula, agendada para outubro. 

Apesar das suas limitações, o multilateralismo não deixa de ser uma das raras tradições institucionais brasileiras que resistiu às incessantes mudanças de regimes. 

Um traço característico e centenário do Estado que Ernesto Araújo conseguiu desorganizar em menos de dois meses. Encerrado o curto e embaraçoso parêntese de experimentalismo lunático, Mourão tem pouco mais de três anos para voltar a colocar o Brasil nos eixos do mundo.

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