Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Itamaraty blues

Ernesto Araújo acelera um declínio que se dá também em outros governos

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Ernesto Araújo tem o voluntarismo de personagens da “Comédia Humana” de Balzac, que querem galgar rapidamente os escalões da alta sociedade, e a alegria do protagonista de um romance de Michel Houellebecq —um cara de meia-idade em plena crise existencial que redescobre o sentido da vida depois de uma epifania.

Tudo bem se o leitor distraído tende a confundir Ludwig Wittgenstein com um zagueiro da seleção alemã dos tempos de Franz Beckenbauer. O importante, para o chanceler Araújo, é continuar disseminando pelas redes a boa palavra do novo governo.

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O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. - Pedro Ladeira/Folhapress

Talvez essa nobre missão impeça o chanceler de reparar nas mudanças profundas que ele está provocando na sua própria instituição.

Pois além de libertar o Itamaraty das suas amarras ideológicas, ele também está libertando a Esplanada das amarras do Itamaraty. Nos últimos 20 dias, tem sido notável constatar o surgimento de novos patrões da política externa.

Paulo Guedes, o ministro da Economia, está se tornando o interlocutor exclusivo do capital estrangeiro. Sergio Moro está tornando o Ministério da Justiça e Segurança Pública em um ator autônomo da cooperação internacional bilateral e multilateral.

Treinados na experiência formadora das missões de paz no Haiti e nos países africanos, os generais do Planalto estão confortáveis na posição de mediadores entre o governo e as instituições internacionais. 

É caso para se perguntar para que servem os diplomatas no novo governo.

O dilema existencial da diplomacia brasileira não vem de hoje —todos se lembram dos tempos de cólera sob Dilma Rousseff (2010-2016).

No mais, o esfriamento nas relações entre elites políticas e diplomatas, consideradas a crème de la crème dos servidores de Estado, acontece no mundo inteiro.

Nos Estados Unidos, Donald Trump indicou o magnata do petróleo Rex Tillerson (depois substituído por Mike Pompeo, deputado do Kansas alçado a diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência do país) para amainar os diplomatas e privilegiar novos atores, como o chanceler informal e coincidentemente marido da sua filha Ivanka, Jared Kushner.

Na França de Emmanuel Macron, os peritos da famosa “célula do Eliseu”, que assessoram diretamente o presidente, acumularam imenso poder discricionário na Quinta República.

No Reino Unido, todos os membros do governo têm um palpite sobre o maior desafio internacional desde a Segunda Guerra Mendial (1939-1945), o “brexit”. Todos menos os diplomatas, afastados das negociações e completamente inaudíveis.

Os recursos do Ministério das Relações Exteriores desses países caíram drasticamente nos últimos 30 anos.

Se a tendência continuar se agravando, os diplomatas correm o risco de conhecer o destino dos atendentes de voo, outrora admirados e invejados por todos.

Haverá resistência ao processo em curso de redução de poderes do Itamaraty. Os diplomatas recorrerão a sua habilidade política e à memória institucional para impedir ou pelo menos adiar o seu ocaso. Afinal, o prestígio e a competência de cada um deles permanece incontestável.

Mas o fato é que a ideia bizarra de transformar o Itamaraty no Farol de Alexandria do populismo tropical está comprometendo a sacralidade da instituição e, de quebra, acentuando o seu declínio.

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