Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Lula em Paris: muito 2008, pouco 2022

Viagem mostra que ex-presidente não está à vontade com os temas atuais

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As entrevistas concedidas durante a sua recente viagem à Europa revelaram um Lula pouco à vontade com os principais assuntos da atualidade. Em entrevista ao blog de Jamil Chade, Lula deu um jeito de chamar o ditador Nicolás Maduro de “democrata” e acusou injustamente Angela Merkel de insultar os cidadãos da Europa do Sul. Na verdade, quem os chamava de “vagabundos” era o holandês Jeroen Dijsselbloem, ex-presidente do Eurogrupo.

As abordagens do ex-presidente também sugerem que seu universo político continua girando em torno de 2008, quando liderou a resposta do Brasil à crise financeira global. Lula reuniu-se com François Hollande e aproveitou todas as oportunidades para manifestar a sua proximidade com outros velhos navios da social-democracia europeia, do estadista britânico Gordon Brown ao embuste português José Sócrates.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia em que lhe foi concedido o título de cidadão honorário de Paris - Charles Platiau/Reuters

Coube a esses amigos, aposentados há quase uma década, ajudar Lula a entender a conjuntura em Paris, onde ele se deslocou para receber o título de cidadão honorário numa cerimônia oficial com ares de ato eleitoral.

A sua anfitriã, a prefeita Anne Hidalgo, está dinamitando o que resta das estruturas do Partido Socialista, ao qual está filiada, para conseguir sobreviver politicamente.

Ela armou uma campanha virada para a sociedade civil, trocando os habituais burocratas por ativistas e escondendo meticulosamente as menções ao partido nos cartazes e discursos. Ela já mostrou total disponibilidade para negociar com gregos e troianos no segundo turno.

Paris não é São Paulo, e os socialistas estão numa posição muito mais delicada do que os petistas. Mas é curioso constatar que Lula, personagem reverenciado pela esquerda francesa, topou dar respaldo a uma candidatura que assume abertamente a necessidade de superar estruturas partidárias, de aliar-se com todos à exceção da extrema direita, e de entregar cargos de comando à sociedade civil. Um método aplicado com algum sucesso em outras capitais do mundo, de Budapeste a Istambul, mas sistematicamente descartado em São Paulo, onde os petistas insistem em tomar decisões em conchavos.

Seria de bom agouro se a viagem de Lula a Paris, o mais importante evento político no exterior desde a sua soltura, mostrasse ao ex-presidente que o mundo mudou profundamente desde 2008. Só que o caminho é longo: Ao jornal Le Monde, Lula declarou não ver grande diferença nas propostas econômicas de Donald Trump e de Joseph Biden, agora favorito à nomeação do Partido Democrata.

Essa foi a ponderação mais preocupante de toda a sua viagem. Não apenas porque ela revela uma visão extremamente míope da economia –a longo prazo, a ruptura ambiental de Donald Trump terá consequências financeiras devastadoras. Mas acima de tudo porque ela sugere que Lula se recusa a aceitar que, nos dias de hoje, a única diferença que importa é entre democratas e extremistas. Se este for o caso, talvez seja a hora de Lula juntar-se aos seus amigos europeus aposentados.

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