Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Diplomacia Brasileira

Sem Moro e Guedes, circo de Ernesto Araújo perde sentido

Com demissão de um e desprestígio de outro, aliança animada por chanceler passa a depender de militares

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Donald Trump virou as costas para Jair Bolsonaro. Numa tentativa de se livrar da fama de negacionista, o presidente americano passou a se referir ao Brasil como um exemplo de descontrole da pandemia do coronavírus. O aliado estratégico virou o homem doente da América Latina.

Mas o distanciamento de Trump não é unicamente imputável ao desgaste provocado pela crise sanitária.

Para a Casa Branca, as investidas de Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo nunca passaram de uma reprise latino-americana de "Debi & Lóide", um filme amador dirigido por Steve Bannon. Na realidade, três outros atores sustentavam a diplomacia populista.

O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado, entre outros, por Paulo Guedes, Sergio Moro e Ernesto Araújo, em cerimônia em homenagem ao Dia da Bandeira, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado, entre outros, por Paulo Guedes (de gravata azul e cabelos brancos), Sergio Moro (com as mãos juntas) e Ernesto Araújo (de olhos fechados), em cerimônia em homenagem ao Dia da Bandeira, em Brasília - Pedro Ladeira - 19.nov.19/Folhapress

Personagem de importância subestimada na relação entre Brasil e Estados Unidos, Sergio Moro é respeitado em Washington por sua atuação na investigação da Odebrecht.

Foi graças à parceria entre a Polícia Federal e a Drug Enforcement Agency que Fuminho, número dois de Marcola, acabou detido em Moçambique recentemente.

Paulo Guedes é conhecidamente o fiador do bolsonarismo na Faria Lima e, por extensão, em Wall Street.

Por fim, o acordo de cooperação assinado na Flórida pelo Exército brasileiro consta como o único legado concreto da política externa bolsonarista.

O sucesso de Bolsonaro residia na criação de um circo, animado por Ernesto, para dissimular uma aliança tremendamente convencional de atores jurídicos, militares e financeiros na qual ele e seus familiares controlavam a narrativa, mas não apitavam quase nada.

Com a demissão de Moro e o desprestígio de Guedes, a aliança passou a depender da hierarquia militar, que já está sentindo a pressão.

Um ponto de tensão é o imbróglio em torno da Embraer, descartada pela Boeing e agora desejada por chineses, num negócio apoiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. A disputa de influência entre China e Estados Unidos será um dos fatores a ter em conta no caso de processo de impeachment.


A perda do monopólio da agenda americana pelo bolsonarismo explica o último surto de Ernesto. Ao atacar o embaixador Rubens Ricupero e outros ex-chanceleres, ele quis deixar claro que já não é ministro, tampouco diplomata, mas um fanático de um governo em declínio.

A sua odiosa analogia entre campos de concentração nazistas e isolamento social enfureceu influentes organizações judaicas brasileiras e americanas, o que deve obrigar Trump, atento às implicações eleitorais da sua diplomacia, a desmontar o circo de uma vez por todas.

Passados dois anos, a aliança do Brasil com os Estados Unidos continua deixando os analistas perplexos.

Eleito em parte pelo agronegócio, Bolsonaro poderia ter alinhado a diplomacia aos interesses do setor e feito do Centro-Oeste o equivalente brasileiro do Texas para a política americana —uma província rica em recursos naturais que garante o poder político de dinastias nacionais.

Em vez disso, acabou optando por uma subserviência desnecessária aos Estados Unidos, que arruinou a sua aliança com o agronegócio e trouxe pouco mais do que umas selfies e uns likes.

Caberá, no futuro, aos historiadores tentar entender essa bizarrice do bolsonarismo.

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