Emmanuel Macron é o vencedor incontestável do primeiro turno da eleição. O bom desempenho, acima do que apontavam as pesquisas dos últimos dias, deve-se a dois fenômenos.
O "efeito bandeira", termo que os franceses usaram para descrever a adesão de eleitores ao chefe de Estado após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Com 28,4%, Macron voltou à sua popularidade do começo de março, quando o conflito mudou a vida dos europeus. Em seguida, o voto útil, caracterizado pela transferência de votos dos candidatos dos partidos social-democratas para o centrista nos últimos dias.
Tal como aconteceu em Portugal no começo do ano, a ameaça cada vez mais real da extrema direita parece ter alterado o cálculo do eleitor moderado. Mas a principal informação do primeiro turno é que o sistema político que governou a França por 40 anos está definitivamente sepultado.
O Republicanos alcançou miseráveis 4,8% com Valerie Pécresse, enquanto a socialista Anne Hidalgo não passou de 2%. Um último ato melancólico para os partidos de Jacques Chirac e François Mitterrand.
A implosão dos dois principais partidos deve ser levada em consideração ao fazer projeções futuras. Segundo e terceiro colocados, Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon partilham um eleitorado semelhante.
A expoente da extrema direita, que vai disputar o segundo turno com Macron em 24 de abril, manteve a sua base popular, construída depois de anos de implementação de sua agenda nacionalista nas regiões pós-industriais, e ganhou espaço na direita republicana com a sua estratégia de normalização, descrita na coluna passada. Já Mélenchon se beneficiou do fracasso socialista e ecologista e melhorou o resultado de 2017 (19,5%), agora com 21,7% dos votos.
Mas o eleitorado de Mélenchon, que ficou na frente entre os eleitores de 18 a 34 anos, mudou muito nos últimos anos. Os militantes desiludidos do Partido Socialista, que ele representou por décadas, deram lugar à geração que mergulhou na política depois de 2008. Para muitos desse grupo, que andavam de calça curta quando a República se uniu contra Jean-Marie Le Pen em 2002, a prioridade é o combate contra o capitalismo predatório que eles acusam Macron de encarnar.
A vitória clara do atual presidente no primeiro turno traz garantias contra um acidente democrático, mas a eleição continua em aberto. A frente republicana que aconteceu em 2002 e 2017, quando os Le Pen chegaram ao segundo turno, não foi apenas o resultado de uma romântica rebelião democrática popular.
Ela dependeu da liderança decisiva da classe política, da força mobilizadora dos partidos e dos sindicatos e da memória histórica dos franceses que combateram o fascismo no passado. Num sistema político completamente desestruturado, marcado pelo risco de uma convergência entre eleitores de Le Pen e Mélenchon, a repetição desse movimento está longe de ser garantida.
Ao proclamar quatro vezes que "vocês não devem dar um voto a Le Pen", o líder da França Insubmissa mostra que estará à altura da sua responsabilidade histórica, ao contrário de muitos outros.
As palavras dele foram as mais importantes da noite eleitoral. Porque, pela primeira vez, a vitória da extrema direita ainda não pode ser descartada depois do primeiro turno.
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