Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Guerra na Ucrânia revela tensões entre demografia, migração e questão racial

Conflito também é manifestação de uma Rússia obcecada com seu destino populacional

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Frequentemente imputada às tensões políticas e militares com o que nos habituamos a chamar de Ocidente e à deriva nacionalista do governo Putin, a invasão da Ucrânia também é a manifestação de uma Rússia obcecada com seu destino demográfico.

A idade mediana da sua população deve atingir os 44 anos em 2035, contra 24 depois da Segunda Guerra Mundial. Um declínio brutal, que parece ter sido acelerado pela combinação de alcoolismo, baixa taxa de natalidade e alta taxa de emigração.

Putin, que alerta há anos para essa "armadilha demográfica", tentou reverter a situação por todos os meios. Na última década seu governo distribuiu mais de 9 milhões de passaportes a habitantes de países vizinhos. A emigração econômica também foi incentivada com a abertura das fronteiras aos migrantes da Ásia central e principalmente dos Estados membros da União Econômica Eurasiática.

Idosa alimenta pombos com o neto em ponte no centro de Moscou - 23.mar.22/AFP

Mas as medidas trouxeram ganhos marginais e problemas políticos. A população russa, que teve um pico de 148 milhões em 1992, continua caindo e deve chegar a 130 milhões em 2050.

Nacionalistas manifestaram preocupação com a política migratória que, segundo eles, aceleraria a incorporação da Rússia pela Ásia. Essa questão histórica da elite política russa, em grande parte culturalmente mais próxima da Europa, tem sido constantemente subestimada nas análises sobre as relações entre Rússia e China.

Assim, a invasão da Ucrânia pode ser interpretada como uma resposta às pressões combinadas de dois fenômenos interligados, o nacionalismo e demografia. A independência da Ucrânia, que era central para manter a superioridade da população eslava no espaço soviético, foi vivida como uma amputação pelos nacionalistas.

Se a anexação da Crimeia trouxe um bônus de 2,5 milhões de habitantes, a incorporação de 40 milhões de ucranianos mudaria o destino demográfico da Rússia.

A ironia é que o impacto da guerra na demografia da Eurásia, tão brutal como transformador, só vai complicar a situação de Moscou. Com o êxodo de mulheres e jovens, a população restante da Ucrânia, composta maioritariamente por homens em idade de combater e idosos, perderá grande parte do seu potencial demográfico.

Enquanto isso, a União Europeia, que também está em declínio populacional, vai acolher pelo menos 5 milhões de ucranianos numa onda de solidariedade sem precedentes. A guerra, na verdade, está revelando todas as contradições da política migratória europeia, cada vez mais baseada na distinção racista de "bons" e "maus" migrantes.

A candidata da direita liberal na França Valérie Pécresse expressou essa ideia à perfeição ao afirmar que os refugiados da guerra de origem ucraniana devem ser incentivados a instalarem-se no país, enquanto os outros, em grande parte africanos, devem ser convidados a "voltarem para seus países".

A tensão entre questões raciais, demografia e migração é global e vai se agravar com o tempo. Com exceção da África, todas as regiões do mundo estão perdendo habitantes. Ausente no debate eleitoral brasileiro, a transição demográfica será tão importante como a energética e a climática.

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