Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Agenda climática foi rifada no período pré-eleitoral no Brasil

Enquanto isso, da Colômbia à França há uma mudança de paradigma calcada em valores e pragmatismo

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A última semana foi frustrante para aqueles que pensavam que, pela primeira vez, o clima teria um papel central na eleição.

A candidatura ao Senado de um dos mais ilustres defensores do meio ambiente da República, Alessandro Molon (PSB-RJ), está comprometida por trivialidades partidárias. Ciro Gomes (PDT), que há muito vagueia longe de terras democráticas, qualificou a questão indígena de "política de papo-furado".

É muito difícil criticar Simone Tebet (MDB) depois do festival de machismo na convenção que formalizou a indicação da sua vice, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP). Mas, na condição de presidenciável, ela terá de explicar a contradição entre sua promessa de zerar o desmatamento e o envolvimento histórico do seu grupo na predação de terras em Mato Grosso do Sul.

Estrutura clandestina usada por madeireiros ilegais em rio da Amazônia, entre Manaus e Manicoré - Mauro Pimentel - 6.jun.22/AFP

Para explicar a má relação entre clima e eleição, alguns apontam para a complacência política. Candidatas e candidatos estão sem incentivos para investir na conquista de um eleitorado que já está garantido. Afinal, depois do primeiro governo ecogenocida do país, tudo será considerado progresso.

A segunda, mais cínica, sugere um problema de demanda eleitoral. De acordo com essa tese, os brasileiros, assolados por problemas materiais imediatos, não teriam tempo para se preocupar com a agenda ambiental.

Falem isso para o recém-empossado Gustavo Petro. O primeiro presidente de esquerda da Colômbia jamais escondeu a agenda ambiental durante a campanha. Mesmo nos momentos em que procurava alcançar o empresariado, sua promessa de acelerar a transição do petróleo para as energias renováveis foi mantida.

O mesmo vale para Gabriel Boric no Chile, que apesar de comandar um país ainda mais dependente da exploração de seus recursos naturais do que o Brasil, colocou a economia verde na matriz do programa de governo. Ambos mostraram que a radicalidade na política climática é compatível com a busca de alianças ao centro.

Fora da América Latina, o social-democrata SPD só voltou ao poder na Alemanha graças aos verdes. A coalizão de esquerda Nupes, liderada pela França Insubmissa, também deve tudo aos ambientalistas, e nada aos decadentes socialistas. A última chance de Joe Biden de salvar o seu governo foi arrancada pelos ativistas que se jogaram no chão do Congresso para obrigar os senadores democratas a reabrirem as negociações por um pacote de investimento climático.

Essa mudança de paradigma tem tanto a ver com valores quanto pragmatismo. O desafio do aquecimento global dá nova legitimidade à governança do Estado e amplia dramaticamente o horizonte da ação pública. Ele permite a criação de novas iniciativas industriais, científicas e sociais que eram tidas como inviáveis até poucos anos atrás.

Até o liberal Emmanuel Macron se dotou de um quase soviético "Ministério da Planificação Ecológica" para se aproveitar plenamente dessa nova oportunidade. Em todas as democracias ameaçadas pela ultradireita, a política climática tem tido um papel fundamental na refundação do Estado.

Cabe ao eleitor exigir que o Brasil se torne uma infeliz exceção.

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