Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Primeiro turno no Brasil mostrou que será preciso governar com o 'Mega-Centro-Oeste'

Economia global mudou a geografia política nacional

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O advento da China como principal parceiro comercial da América Latina foi o fenômeno mais estruturante do Brasil nos últimos dez anos. Enquanto os estados do Sudeste se arrastavam no marasmo da desindustrialização, a região Centro-Oeste passou pela fase mais transformadora da sua história. A era da pandemia é sinônimo de crescimento do PIB, fortalecimento da infraestrutura e inserção internacional.

Essa grande divergência pode ser identificada no universo cultural e financeiro. O sertanejo se especializou em narrar a rebelião do Centro-Oeste contra as elites litorâneas. Os bancos voltaram a atender o setor rural e celebram em suas campanhas o homem do campo. A Faria Lima ostenta seus empreendedores, mas quem faz rodar a máquina são os traders de commodities.

A região já manifestava a intenção de ir além da defesa de interesses setoriais e estender seu controle sobre a política nacional pelo menos desde 2016, alimentando as redes sociais e organizando o movimento evangélico.

O presidente Jair Bolsonaro em entrevista coletiva com parlamentares ruralistas - Pedro Ladeira - 5.out.22/Folhapress

A sabedoria popular ditava que o Centro-Oeste era poderoso economicamente, mas inofensivo eleitoralmente devido a sua demografia diminuta. No imaginário, ele ainda remete a imagens de extensas planícies de soja e pastagens pontualmente ocupadas por tratores e vaqueiros.

Historiadores lembravam que suas lideranças jamais conseguiram alcançar projeção nacional. Trancados nas bibliotecas e ocupados em brilhar nas redes sociais, os cientistas políticos tratavam a China como um ideal-tipo e sua ascensão global como um fenômeno mitológico, sem jamais atentar ao impacto na geografia política nacional.

Quando Tarcísio de Freitas foi lançado candidato, a oposição o caricaturou como um carioca alienado do estado de São Paulo. Só que Tarcísio não se posiciona como o postulante do Rio de Janeiro ou de São Paulo; ele é o candidato de Uberlândia e de Cuiabá.

Sua plataforma política é encarnar a transição industrial do interior de São Paulo e sacramentar a passagem de testemunho das aristocracias da indústria cafeeira aos setores que comandam o agronegócio. Historicamente conhecido pela sua identidade forte, o estado de São Paulo caminha para ser dissolvido dentro de uma macrorregião que começa depois de Campinas e se estende até Barcarena como uma força homogênea, o Mega-Centro-Oeste.

Independentemente do destino do estado mais rico da federação, as elites litorâneas, ocidentais e atlantistas devem assumir sua condição periférica dentro de um Brasil Central atrelado geoeconomicamente à Ásia. Um país onde não tem PT nem Prerrô, tampouco GloboNews, e onde Adson e Alana cantam que "uma colheitadeira vale mais que uma Ferrari" e que "o Brasil não é mais o país do Carnaval [...] o Brasil agora é o país do agro".

Nesse clima de revolução cultural, dar espaço decisivo na campanha para Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Helder Barbalho é muito mais do que estratégia eleitoral. É um imperativo sociológico. O primeiro turno mostrou que é preciso governar com o Mega-Centro-Oeste. Senão ele vai governar você.

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