Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Contestada e controversa, Copa do Qatar foi golaço geopolítico

Ocidente é cada vez mais incapaz de formar opinião da comunidade internacional sobre países, regimes e culturas

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Todos antecipavam que a Copa do Qatar, anunciada como uma das mais controversas da história, fosse produzir um escândalo de grande magnitude. Ele veio a acontecer, mas o seu epicentro fica a milhares de quilômetros de Doha, em Bruxelas.

A vice-presidente do Parlamento Europeu Eva Kaili levantou suspeitas ao defender enfaticamente o país organizador na véspera do primeiro jogo. Na semana passada, ela foi detida pela polícia belga sob a acusação de ser paga para representar os interesses do Qatar na Europa. O episódio confirma a vulnerabilidade do sistema político europeu ao lobby de forças externas. Essa fraqueza já havia sido exposta à opinião pública no começo da Guerra da Ucrânia, quando ficou claro que as elites ligadas ao regime de Vladimir Putin tinham desenvolvido uma rede política e financeira dentro do espaço europeu.

Fogos de artifício durante cerimônia de encerramento da Copa do Qatar no estádio Lusail, em Doha - Odd Andersen - 18.dez.22/AFP

A promiscuidade das elites europeias ajudou a colocar em xeque a tentativa de associar a Copa do Qatar ao embate entre democracias e autocracias por parte de jornalistas, ativistas e críticos em geral. Com efeito, o mau humor em torno da competição foi se dissipando ao longo dos jogos.

Na fase final, os formadores de opinião passaram a celebrar a dimensão multicultural das seleções e deixaram de lado as questões mais sensíveis de direitos humanos. À imagem de todas as autoridades europeias, Emmanuel Macron procurava fugir da polêmica no começo dos jogos. Depois do França-Marrocos, ele foi flagrado elogiando os méritos do Qatar.

A espantosa final entre França e Argentina também se enquadra no roteiro de transformação em potência esportiva confeccionado pelas autoridades do Qatar, que teve como ponto de partida a aquisição do Paris Saint-Germain pelo Qatar Sport Investments em 2010.

O objetivo inicial de vencer a as grandes competições europeias nunca foi atingido, mas a presença no pôster da final de Lionel Messi e Kyllian Mbappé, as duas principais estrelas do PSG, justifica amplamente os milhões de euros enterrados no mediano campeonato francês.

Numa demonstração de força, as autoridades do Qatar anunciaram em plena Copa que o PSG vai deixar de jogar no Parque dos Príncipes, um monumento da cultura do futebol local. Como se o Qatar pós-2022 fosse grande demais para obedecer às tradições da França.

A despeito de cenas revoltantes como a perseguição às bandeiras arco-íris nos estádios, a verdade é que a Copa melhorou o perfil e o conhecimento geral da marca Qatar. Vizinhos como os Emirados Árabes Unidos, que receberam uma parte importante dos turistas, beneficiaram-se indiretamente do evento.

Inspirada pelo sucesso, a Arábia Saudita já está se preparando para lançar uma dupla candidatura para organizar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo na década de 2030. A história desta Copa, e em geral deste ano geopolítico, é que os países ocidentais, para o melhor e o pior, são cada vez mais incapazes de formar a opinião da comunidade internacional sobre um país, um regime ou uma cultura.

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