Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Diversidade nas oitavas da Copa mostra talentos oriundos das interações transnacionais

Mundial no Qatar também revelou que inserção internacional controlada desejada por petromonarquias não passa de ilusão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dois desdobramentos interessantes estão prestes a deixar a Copa do Qatar num lugar especial da história do futebol.

O primeiro é que a organização mais elitista e ascética da história dos Mundiais não impediu que uma pluralidade de expressões políticas invadisse o emirado. Os protestos contra a repressão aos movimentos LGBTQIA+, a polêmica sobre a proibição de bebidas alcoólicas e as manifestações pró-Palestina mostram que a inserção internacional controlada que almejam Qatar e outras petromonarquias não passa de ilusão.

O zagueiro de Marrocos Jawad El Yamiq com a bandeira da Palestina pós a partida contra o Canadá, pela Copa do Mundo, em Doha, no Qatar
O zagueiro de Marrocos Jawad El Yamiq com a bandeira da Palestina pós a partida contra o Canadá, pela Copa do Mundo, em Doha, no Qatar - Natalia Kolesnikova - 1º.dez.22/AFP

O outro desdobramento é que a Copa do Qatar também está marcando a emergência de um futebol muito mais globalizado. Tudo indica que, a partir das quartas de final, a competição voltará a ser uma disputa entre Europa e América Latina. Mas as seleções africanas e asiáticas tiveram bom desempenho na primeira fase, e todos os continentes serão representados nas oitavas de final.

Uma história construída de conexões entres seleções emergentes e de transformações do futebol europeu. Tome-se a "Primavera Árabe", ou a classificação de Marrocos, a performance da Tunísia —e até a da Arábia Saudita contra a Argentina. Juntas, elas fazem parte de um "arco do futebol" que começa na África Ocidental, com Senegal, Camarões e Gana, passa pela África do Norte e segue até o Irã.

Existem fios condutores entre essas diferentes seleções, como os técnicos que ajudaram a profissionalizar o futebol das ex-colônias francesas. Com seu jeito de cantor de cruzeiro turístico, Hervé Renard é um discípulo de Bruno Metsu, conhecido pelos senegaleses como "Leão Branco", e de Claude Le Roy, outra figura lendária que treinou sete seleções africanas.

Uma referência mais próxima dos brasileiros é a geração de ouro de técnicos portugueses que ganhou proeminência com José Mourinho e foi seguida por tantos outros. Paulo Bento, idolatrado pelos sul-coreanos, foi criado nos campos do Sporting, onde treinou Abel Ferreira.

Outro fio condutor é a internacionalização do futebol europeu. O número de jogadores africanos nos principais campeonatos ultrapassou pela primeira vez a cifra de 500 com Senegal e Marrocos com mais de 50 cada um. A abertura comercial dos clubes controlados por investidores globais e a importância crescente dos direitos internacionais de transmissão também têm estimulado a chegada de jogadores da Ásia. Em 2022, a estrela sul-coreana Son Heung-min se sagrou artilheiro do campeonato inglês.

Desde o triunfo da Alemanha em 2014 predominava a ideia de que o futebol passava por uma revolução industrial. Grandes seleções seriam criadas de programas laboratoriais e sistemáticos que dominariam o futebol por gerações. Mas o futebol é o esporte rebelde por excelência, e o que vemos é a emergência de times que são o resultado da produção de talentos das interações transnacionais do futebol moderno.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.