Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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O Brasil de 2020 grita nas novelas

Tramas ironizam termos usados por Bolsonaro e discutem racismo e machismo

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Um dos segredos do sucesso e da permanência das novelas na programação da Globo é a capacidade que muitas tiveram, a partir da década de 1970, de tratar abertamente de assuntos que dizem respeito à realidade do espectador.

Fiéis a essa boa tradição, "Bom Sucesso", de Rosane Svartman e Paulo Halm, e "Amor de Mãe", de Manuela Dias, têm se aventurado por campo minado. Uma fez o vilão incorporar em seu discurso termos usados pelo presidente Jair Bolsonaro ou por seus apoiadores. A outra tem oferecido diálogos poderosos, sem filtro, sobre desigualdade social, machismo e racismo.

Na reta final de "Bom Sucesso", o vilão Diogo (Armando Babaioff) reapareceu em cena com o objetivo de destruir a bem-sucedida família Prado Monteiro, proprietária de uma editora de livros com prestígio no mercado.

Armando Babaioff como Diogo, em cena da novela "Bom Sucesso", da Globo
Armando Babaioff como Diogo, em cena da novela "Bom Sucesso", da Globo - Victor Pollak/Divulgação

Ao festejar o golpe criminoso que pôs a editora em suas mãos, Diogo disse ao patriarca Alberto (Antônio Fagundes): "Sou um homem de princípios e sentimentos cristãos".

"Ah, e certamente vou modificar a linha editorial. Nada, mas absolutamente nada, de viés ideológico. Sejam aquelas publicações daqueles clássicos chatérrimos, as poesias, passando por aquelas publicações 'LGBTXYZ' imorais", discursou o vilão.

Doze capítulos depois, preparando o terreno para o final da novela, os autores dão início à derrocada de Diogo. Uma de suas fraudes é descoberta e Alberto retoma o controle da editora.

Com a família e os amigos reunidos, o editor propõe um brinde: "À derrota daquele energúmeno e de todos aqueles que querem destruir a inteligência e a cultura em todas as suas manifestações".

Nesta mesma semana, em "Amor de Mãe", a professora de uma escola pública em um bairro na zona norte do Rio foi baleada tentando proteger os alunos durante um tiroteio entre polícia e criminosos. No leito do hospital, cansada e assustada, Camila (Jessica Ellen) desabafa com a mãe, Lurdes (Regina Casé) sobre as dificuldades da sua vida.

"Eu vou sempre ter que ser forte? Sempre? Eu tenho que ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar. Eu tenho que ser forte porque eu sou mulher e pra mulher tudo é mais difícil. Tem que aguentar sempre um babaca olhando pro meu peito em vez de prestar atenção no que eu tenho a dizer", disse.

E acrescentou: "Eu tenho que ser forte porque eu sou preta e a gente vive num país racista. Eu tenho que ser forte porque eu sou professora, porque eu tentei ajudar meus alunos e levei um tiro. Eu tô cansada, mãe! Eu tô cansada de ser forte, mãe. Eu não vou poder ser fraca nenhum dia?".

Lurdes, então, respondeu: "Tu não pode fraquejar. Ainda não dá pra ser fraca. Nesse mundo que a gente vive, não dá. (...) A gente tem que continuar assim, aproveitando cada chance da vida. Porque a gente não é gente, não; a gente é sobrevivente".

E prosseguiu: "Ainda mais pra nós, pra mulher, é muito mais difícil. Ainda mais tu, da tua cor. Como eu queria que ninguém te julgasse pela cor da tua pele. Mas ainda não dá. A gente tem que continuar empurrando o mundo, mesmo ele sendo muito pesado. Empurrando para ele mudar".

Em momentos como esses, das duas novelas, o entretenimento alcança uma outra dimensão. A falta de sutileza dos diálogos, com um pé na militância, pode incomodar alguns. É um risco. Mas há situações e temas que, dada a urgência e o desejo oficial de negá-los, não podem ser ignorados.

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