Um dos segredos do sucesso e da permanência das novelas na programação da Globo é a capacidade que muitas tiveram, a partir da década de 1970, de tratar abertamente de assuntos que dizem respeito à realidade do espectador.
Fiéis a essa boa tradição, "Bom Sucesso", de Rosane Svartman e Paulo Halm, e "Amor de Mãe", de Manuela Dias, têm se aventurado por campo minado. Uma fez o vilão incorporar em seu discurso termos usados pelo presidente Jair Bolsonaro ou por seus apoiadores. A outra tem oferecido diálogos poderosos, sem filtro, sobre desigualdade social, machismo e racismo.
Na reta final de "Bom Sucesso", o vilão Diogo (Armando Babaioff) reapareceu em cena com o objetivo de destruir a bem-sucedida família Prado Monteiro, proprietária de uma editora de livros com prestígio no mercado.
Ao festejar o golpe criminoso que pôs a editora em suas mãos, Diogo disse ao patriarca Alberto (Antônio Fagundes): "Sou um homem de princípios e sentimentos cristãos".
"Ah, e certamente vou modificar a linha editorial. Nada, mas absolutamente nada, de viés ideológico. Sejam aquelas publicações daqueles clássicos chatérrimos, as poesias, passando por aquelas publicações 'LGBTXYZ' imorais", discursou o vilão.
Doze capítulos depois, preparando o terreno para o final da novela, os autores dão início à derrocada de Diogo. Uma de suas fraudes é descoberta e Alberto retoma o controle da editora.
Com a família e os amigos reunidos, o editor propõe um brinde: "À derrota daquele energúmeno e de todos aqueles que querem destruir a inteligência e a cultura em todas as suas manifestações".
Nesta mesma semana, em "Amor de Mãe", a professora de uma escola pública em um bairro na zona norte do Rio foi baleada tentando proteger os alunos durante um tiroteio entre polícia e criminosos. No leito do hospital, cansada e assustada, Camila (Jessica Ellen) desabafa com a mãe, Lurdes (Regina Casé) sobre as dificuldades da sua vida.
"Eu vou sempre ter que ser forte? Sempre? Eu tenho que ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar. Eu tenho que ser forte porque eu sou mulher e pra mulher tudo é mais difícil. Tem que aguentar sempre um babaca olhando pro meu peito em vez de prestar atenção no que eu tenho a dizer", disse.
E acrescentou: "Eu tenho que ser forte porque eu sou preta e a gente vive num país racista. Eu tenho que ser forte porque eu sou professora, porque eu tentei ajudar meus alunos e levei um tiro. Eu tô cansada, mãe! Eu tô cansada de ser forte, mãe. Eu não vou poder ser fraca nenhum dia?".
Lurdes, então, respondeu: "Tu não pode fraquejar. Ainda não dá pra ser fraca. Nesse mundo que a gente vive, não dá. (...) A gente tem que continuar assim, aproveitando cada chance da vida. Porque a gente não é gente, não; a gente é sobrevivente".
E prosseguiu: "Ainda mais pra nós, pra mulher, é muito mais difícil. Ainda mais tu, da tua cor. Como eu queria que ninguém te julgasse pela cor da tua pele. Mas ainda não dá. A gente tem que continuar empurrando o mundo, mesmo ele sendo muito pesado. Empurrando para ele mudar".
Em momentos como esses, das duas novelas, o entretenimento alcança uma outra dimensão. A falta de sutileza dos diálogos, com um pé na militância, pode incomodar alguns. É um risco. Mas há situações e temas que, dada a urgência e o desejo oficial de negá-los, não podem ser ignorados.
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