Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu violência

Os frutos do ‘Profissão Repórter’

Ótima série documental aponta falhas do inquérito sobre a morte de cantor de funk em SP

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Na década de 2010, sete cantores de funk foram assassinados no estado de São Paulo. Até hoje ninguém foi preso em consequência desses crimes. Esses dados são citados na excelente série documental "Funk.Doc, Popular e Proibido", de Luiz Bolognesi, lançada pelo Max em 2022.

O mais famoso dos cantores mortos na década passada era Daniel Pellegrini, o MC Daleste. Em 6 de julho de 2013, ele foi atingido por um tiro na barriga durante um show num conjunto habitacional em Campinas. Morreu no dia seguinte, aos 20 anos. Por iniciativa da deputada Leci Brandão (PCdoB), a data da morte de Daleste foi escolhida como Dia do Funk de São Paulo.

O funkeiro Daniel Pedreira Sena Pellegrini, morto em julho de 2013 durante show no CDHU San Martin, em Campinas - Mc Daleste no Facebook

"MC Daleste: Mataram o Pobre Loco", lançada esta semana pelo Globoplay, é uma série sobre a impunidade do crime cometido contra o cantor. Dirigido por Guilherme Belarmino e Eliane Scardovelli, o seriado busca entender a razão de jamais encontrarem o culpado.

Os dois jornalistas, ambos discípulos de Caco Barcellos no "Profissão Repórter", são muito hábeis na demonstração da complexidade do caso. Num tom nunca inquisitivo, mas certeiro, expõem as fragilidades do inquérito policial, os aspectos inexplorados e as indagações que ficaram pelo caminho, sem conclusão.

Como tantos MCs, Daleste enveredou pelo "proibidão", como são chamadas as músicas com saudações a traficantes e críticas à ação da polícia. Em sua defesa, o cantor dizia que "não é por que Daleste canta uma apologia que você vai lá fazer a coisa errada". Uma das hipóteses do crime é justo a de vingança, por causa das músicas ofensivas à polícia.

Outra tese é que Daleste foi morto porque teria se envolvido com a mulher de um integrante de facção criminosa. Uma terceira linha de investigação, que não chega a lugar nenhum, diz respeito a um caso de extorsão que ele sofreu, não se sabe por parte de quem.

Os diretores e o produtor Kleber Tomaz passaram um ano analisando o inquérito policial de 2013. Ao longo da apuração, conseguiram localizar duas testemunhas que nunca foram ouvidas. Uma afirma que houve uma briga antes do assassinato. A outra assegura que houve envolvimento de uma facção criminosa.

Jornalista não é polícia, e Belarmino e Scardovelli evitam essa armadilha. Eles apontam as fragilidades, contradições e buracos do inquérito na expectativa de que o caso seja reaberto, mas fazem isso de forma muito civilizada, sem colocar o dedo na cara do delegado ou do promotor que se debruçaram sobre o assunto.

Em diferentes momentos da série, os dois diretores se deixam filmar discutindo dúvidas e caminhos da investigação jornalística, de forma semelhante à que Caco Barcellos faz no "Profissão Repórter". É uma forma engenhosa e informal de incluir a figura do narrador.

No ar desde 2006, o "Profissão Repórter" não é só um dos mais importantes programas de jornalismo na TV. Graças a Barcellos, ele é responsável pela formação profissional e ética de uma nova geração de repórteres curiosos e corajosos.

Em 2019, ao decidir que o jornalismo da Globo iria produzir documentários para o Globoplay, a empresa recorreu a Caio Cavechini, que atuou no "Profissão Repórter" desde a sua implementação, para desenvolver o primeiro projeto, "Marielle: O Documentário". Cavechini já dirigiu outros trabalhos marcantes, como "Cercados" e "Extremistas.br".

Eliane Scardovelli dirigiu o premiado "Escola Base, um Repórter Enfrenta o Passado" e "Gabriel Monteiro, Herói Fake".

A caminho de completar duas décadas no ar e sem fazer muito alarde sobre este feito, o "Profissão Repórter" e os seus frutos mostram como vale a pena investir em jornalismo de qualidade.

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