Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Michael França
Descrição de chapéu

Políticas sociais contemplam a questão racial?

Filhos de pele clara têm melhores oportunidades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Os irmãos Diego e Diogo são frutos de algumas noites de intensa paixão entre um casal inter-racial. Apesar de terem partido do mesmo ponto em termos de condição socioeconômica, a cor da pele representa uma particularidade que criará experiências distintas em suas vidas.

Diego, com um tom de pele claro, é aquele pardo que, em determinados contextos, pode ser visto como branco. Já Diogo tem a pele mais escura. Essa singularidade na aparência pode afetar a forma com que essas duas crianças serão percebidas socialmente.

A diferença de tratamento em que elas serão expostas não acontecerá somente fora do ambiente familiar. Os pais absorvem a estratificação racial contida na sociedade. Isso molda seus comportamentos e impacta as relações que terão com seus filhos. Desse modo, a família pode, mesmo que de forma inconsciente, favorecer a criança de pele mais clara.

O pesquisador Marcos Rangel constatou em um de seus trabalhos que famílias brasileiras podem alocar recursos de acordo com a tonalidade da pele dos seus filhos (“Is Parental Love Colorblind? Human Capital Accumulation within Mixed Families”, 2015).

No estudo, os filhos de pele clara têm 2,1 pontos percentuais mais probabilidade de frequentar escolas privadas do que seus irmãos de pele escura. Além disso, 6,5% mais chance de concluir o ensino primário. Os jovens adultos de pele escura têm 5,7% menos chances de concluir o ensino fundamental. Assim, as escolhas das famílias podem ajudar a reproduzir as desigualdades raciais existentes.

Na escola, Diogo não estará livre do viés racial. Conforme sugerido no estudo realizado por Fernando Botelho, Ricardo Madeira e Marcos Rangel, existe evidência de discriminação racial nas avaliações dos alunos.

Professores de matemática tendem a dar notas mais baixas para estudantes negros e, consequentemente, brancos têm uma probabilidade menor de obter avaliação abaixo da nota de aprovação do que seus colegas negros com competência equivalente (“Racial Discrimination in Grading: Evidence from Brazil”, 2015).

Nesse âmbito, recorrentemente, a literatura acadêmica apresenta evidências no sentido de que tendemos a associar características positivas à pele clara e negativas à escura. Quanto mais distante um indivíduo estiver do que é considerado o ideal branco, maiores preconceitos ele sofrerá.

Diogo terá mais dificuldade de aceitar a própria aparência. Baixa autoestima será um marco da sua existência. Com significativa frequência, nas interações sociais, ele sentirá o tratamento diferenciado. Porém, não terá consciência ou certeza da causa. Muitas vezes chorará em silêncio. A injustiça representa mais um fardo com o qual ele se acostumará.

No decorrer da história humana, a cor da pele deixou de ser um mero traço da aparência para se tornar algo que determina o valor e afeta a trajetória de milhares de indivíduos. Desse modo, apesar de terem nascido no mesmo domicílio, existe uma construção social que oferecerá melhores oportunidades a Diego.

E, nesse contexto, fica a questão: as políticas sociais contemplam a questão racial?

O texto é uma homenagem à música “Cordeiro de Nanã”, de Matheus Aleluia e Dadinho, interpretada por Os Tincoãs. Além disso, Diego é o nome do meu querido irmão. Somos o que resta de algumas noites esquecidas de um casal inter-racial.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.