Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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'Se eu pudesse eu não seria um problema social': pós em economia e desigualdade

Por que não premiar o empenho em ultrapassar as barreiras impostas na vida?

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O debate sobre desigualdade tem se ampliado. Sabe-se que a diferença nas oportunidades dadas aos indivíduos explica parte das iniquidades ao longo da vida. Essas diferenças iniciais se propagam e fazem com que os resultados em testes usados em processos admissionais no ensino superior estejam, muitas vezes, associados com o perfil socioeconômico do candidato.

Se uma universidade pudesse escolher entre aqueles com mesma nota no Enem, mas com trajetórias distintas, como elas deveriam escolher? Dois jovens com notas idênticas, mas com trajetórias de vida distintas, devem ter habilidades, como cognição e resiliência, diferentes. Essa é uma situação em que a priorização daqueles com trajetórias desvantajosas reduz desigualdades e aumenta a eficiência alocativa.

Assim, por que não premiar o empenho em ultrapassar as barreiras impostas ao longo da vida?

Imagem mostra jovens, de costas, passando por uma catrata em um local da prova do Enem
Candidatos chegam para o 1º dia de provas do Enem, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 21.nov.2011/ Folhapress

Mecanismos como bônus têm como base a ideia de que, com um aumento de nota para candidatos em desvantagem social, o mérito é reinstalado. Mas nem sempre é simples saber o quanto se deve dar de bônus na nota. Uma forma alternativa é agrupar candidatos com desempenho parecidos e priorizar os vulneráveis. A seleção para os centros de pós-graduação em economia poderia ser feita usando esse instrumento.

Todo ano, centenas de jovens realizam o exame elaborado pela Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia). No final, tem-se uma classificação baseada no desempenho dos candidatos e, com isso, os centros de pós-graduação procuram atrair aqueles mais bem posicionados.

O exame tem pontos positivos, como garantir a possibilidade de acesso para aqueles que não tenham feito graduação em economia e impossibilitar o favorecimento de candidatos sem mérito, mas com influentes conexões pessoais.

No entanto, a posição no ranking está diretamente relacionada às condições socioeconômicas. Candidatos mais ricos têm acesso a bons cursos preparatórios. Já os de baixa renda não têm a mesma oportunidade. Estes muitas vezes passam a graduação trabalhando e estudando.

O uso cego do ranking despreza uma informação relevante. As notas finais, que geram o ranking, tendem a variar de maneira diferente ao longo das posições. Na edição mais recente do concurso, a dispersão de notas dos candidatos entre a 1ª e a 11ª posições foi de mesma magnitude que a dispersão entre a 11ª e a 50ª.

Se pensássemos em grupos relativamente homogêneos com relação à nota final, o critério de homogeneidade seria o mesmo para esses dois grupos. E, dentro daqueles homogêneos, é possível reordenar os candidatos de maneira a priorizar aqueles com condições adversas.

Entretanto, é comum o uso simples do ranking por diversos centros. Essa prática gera potencial perda de talentos. Apesar disso, existem algumas soluções voltadas para tentar reverter essa situação.

A primeira seria buscar agregar candidatos em grupos homogêneos e usar critérios de desempate baseados nas condições socioeconômicas. A segunda é oferecer suporte aos candidatos de baixa renda.

No Insper, lançamos no ano passado o programa Novas Trajetórias. A iniciativa consiste em oferecer para alguns candidatos acesso gratuito ao curso preparatório do Insper, uma bolsa de ajuda de custo e treinamento em pesquisa. Os resultados, ainda em pequena escala, apontam na direção da efetividade do programa.

Economistas têm se voltado para o entendimento das raízes de nossas desigualdades. Entretanto, existe considerável espaço dentro dos próprios centros de pós-graduação para que desigualdades sejam reduzidas e jovens talentosos possam prosperar na profissão. O exemplo a gente precisa dar em casa.

Este texto foi escrito em parceria com Sergio Firpo, professor de economia do Insper.

Além disso, é uma homenagem à música "Problema Social", de Fernandinho e Guara, interpretada por Neguinho da Beija-Flor.

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