Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo universidade

A construção de projetos de vida e a busca da felicidade

Como ser uma professora e pesquisadora apaixonada em um país destruído pelo ódio, intolerância e ignorância?

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Eu sou o próprio estereótipo de uma pesquisadora apaixonada: introspectiva, tímida, insegura, reflexiva, observadora, gosto mais de escutar do que de falar, prefiro ficar em casa lendo do que ir a festas ou a um boteco jogar conversa fora. Inúmeras vezes fui criticada: "Nossa, você parece um bicho do mato, não se diverte nem relaxa nunca, está sempre trabalhando, estudando, lendo e escrevendo. Precisa se distrair e socializar mais ou vai acabar ficando uma velha triste, deprimida e solitária".

Em novembro de 2021, comecei uma nova pesquisa de pós-doutorado sobre envelhecimento e felicidade. Desde então, meus dias são quase que inteiramente dedicados a ler, estudar e escrever, inclusive nos fins de semana e feriados. Mas continuo dando aulas e palestras, arrumando a casa, fazendo compras, pagando contas, cuidando dos amigos e marido. Durmo, no máximo, quatro ou cinco horas por dia.

Só para dar um exemplo de um dia típico de estudo, ontem comecei ler às 7h da manhã o livro "Rápido e Devagar", de Daniel Kahneman. Na parte da tarde, li "Agilidade Emocional", de Susan David. De noite, reli pela enésima vez "Em Busca de Sentido", de Viktor Frankl.

Manifestação de divulgação científica e de apoio à ciência na avenida Paulista, Em São Paulo
Manifestação de divulgação científica e de apoio à ciência na avenida Paulista, Em São Paulo - Jardiel Carvalho - 7.jul.19/Folhapress

Como não consigo desligar, de madrugada li "O Corpo Guarda as Marcas", de Bessel Van der Kolk. Grifei a citação das pesquisas de António Damásio e busquei os livros dele na internet. Encontrei dois que coloquei nas minhas prioridades de leitura: "O Mistério da Consciência" e "Em Busca de Espinosa: Prazer e Dor na Ciência dos Sentimentos". Por fim, às 4h da madrugada, assisti ao TED Talk de António Damásio "Em Busca de Compreender a Consciência". Ando fascinada com as pesquisas sobre o funcionamento do cérebro e a superação de traumas.

Passo os dias mergulhada nos livros e artigos científicos. Escrevo nos meus cadernos todas as ideias importantes dos autores. Já tenho mais de mil páginas de fichamentos. Anoto também todas as minhas ideias, buscando relacionar as reflexões dos autores com as minhas próprias pesquisas.

Apesar de ficar doente e deprimida com os crimes perversos e com a sabotagem da ciência brasileira, minha sensação é de "maravilhamento" com tudo o que estou descobrindo nos livros e nas minhas pesquisas. Mas uma angústia me atrapalha: como vou conseguir escrever tudo o que aprendi sobre envelhecimento e felicidade? Como vou conseguir traduzir tudo o que estou aprendendo com a mesma beleza, encantamento e emoção que sinto ao ler cada livro?

Como escrevi no livro "A Arte de Pesquisar: Como Fazer Pesquisa Qualitativa em Ciências Sociais", Einstein afirmou que "frequentemente, a formulação de um problema é mais essencial do que a sua solução". Ou, como disse Pierre Bourdieu, "a pesquisa é talvez a arte de criar dificuldades fecundas e de criá-las para os outros. Nos lugares onde havia coisas simples, faz-se aparecer problemas".

Para uma pesquisadora ansiosa, angustiada e apaixonada como eu sou, não é nada fácil dar tempo ao tempo e saborear cada um dos passos necessários de uma pesquisa científica. Quero chegar o mais rapidamente possível às perguntas certas e, consequentemente, às melhores respostas.

Para amenizar a minha angústia, sempre releio a epígrafe do meu livro "Noites de Insônia: Cartas de Uma Antropóloga a um Jovem Pesquisador". É uma ideia de Rainer Maria Rilke que li, em 2005, na conferência de abertura da Jornada dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

"O senhor é tão jovem, tem diante de si todo começo, e eu gostaria de lhe pedir da melhor maneira que posso, meu caro, para ter paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração. Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas, porque não poderia vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas".

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência.

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