Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

Não existe tirania que resista a uma gargalhada

A melhor arma para derrotar os fascistas são as nossas risadas

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Quando iniciei a minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade, em março de 2000, descobri que o humor é uma ferramenta fundamental para construir uma velhice mais saudável física e psicologicamente. Não é à toa que o título de um dos capítulos do meu livro "A Invenção de uma Bela Velhice" é simplesmente: Dar risada. Quando o foco da minha pesquisa se voltou para os nonagenários, em março de 2015, a relevância do humor ficou ainda mais evidente.

Atualmente, estou realizando uma pesquisa de pós-doutorado em psicologia social sobre o significado do humor na velhice. Estou mergulhada em livros, artigos, vídeos e entrevistas que me ajudam a compreender o papel da "atitude humorística" para enfrentar sofrimentos, doenças, traumas, angústias, tristezas e perdas inevitáveis na velhice.

Um dos textos clássicos sobre o tema é "O Humor" (1927), de Sigmund Freud. A "atitude humorística", segundo Freud, é um dom muito raro e precioso. Ao adotar essa atitude, o nosso "eu" se recusa a ser afligido pelas provocações da realidade e pelos traumas do mundo externo, provando a nossa capacidade de escapar do sofrimento e de triunfar sobre condições adversas. "Onde se esperava o sofrimento, eclode o riso", escreveu o pai da psicanálise.

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Charles Chaplin em cena do filme 'O Grande Ditador' (1940) - Divulgação

A referência mais importante nas minhas pesquisas é a obra do psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Após sobreviver à prisão em quatro campos de concentração, de 1942 a 1945, depois de perder a esposa, a mãe, o pai e o irmão assassinados pelos nazistas, Frankl escreveu em 1945, em apenas nove dias, o magnífico livro "Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração".

Por acreditar que humor é uma arma poderosa na luta pela sobrevivência física e psicológica, Frankl propôs a um amigo do campo de concentração o compromisso mútuo de inventar uma piada por dia. Apesar de não conseguir imaginar como um prisioneiro de campo de concentração tinha força e energia para fazer piada e dar risada, o emocionante relato de Frankl me provou que a busca de enxergar as coisas com uma perspectiva engraçada é um truque bastante útil para a arte de viver (e de sobreviver).

"Dificilmente haverá algo tão apto como o humor para criar distância e permitir que o indivíduo se coloque acima da situação", escreveu Frankl. Quando não podemos mudar a situação que causa o nosso sofrimento, somos desafiados a mudar a nós mesmos. Cada um de nós, mesmo que não tenha consciência de sua potência interior, pode transformar criativamente os aspectos mais negativos da vida em algo positivo, algo que dê algum significado ou sentido ao sofrimento inevitável.

Quando soube que estou estudando o papel do humor na velhice, uma amiga me enviou um vídeo com uma entrevista de Ariano Suassuna, de 29 de abril de 2014. No dia 23 de julho de 2014, poucas semanas após a entrevista sobre "o humor", o escritor paraibano morreu, aos 87 anos.

"O humor ajuda a temperar o choro. A gente ri do mundo, ri dos outros e ri até de si mesmo. Ajuda muito a viver. No sertão, a morte é uma mulher e se chama Caetana. Pois bem, eu tinha um tio que estava muito mal e teve um calafrio. Aí ele disse: ‘Que frio danado, isso é bem a quenga da Caetana que já vem por aí’. Esta é uma das falas mais corajosas que eu já ouvi. Um camarada que, na hora da morte, tem humor para rir de si mesmo. O humor é também um instrumento de luta. Molière dizia: ‘Não existe tirania que resista a uma gargalhada que dê três voltas em torno dela’. É por isso que os tiranos normalmente têm tanto horror ao riso."

Estudar o humor tem me ajudado a sobreviver física e mentalmente nos últimos anos. Como escreveu Freud, a "atitude humorística" é um dom muito raro e precioso e deve ser cultivada para enfrentar os traumas e as provocações da realidade.

No domingo da vitória da democracia, dia 30 de outubro, às 20h comecei a pular e gritar: "Livres, somos livres enfim, somos livres enfim". Desde então, todos os dias, eu repito como um mantra uma pequena epifania do poeta pernambucano Manuel Bandeira: "Uns tomam éter, outros cocaína, eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria".

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