Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

Por que é tão difícil enxergar a beleza da maturidade?

Precisamos falar dos nossos medos, inseguranças, culpas e vergonhas de envelhecer

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Na semana passada, a produtora do programa Papo de Segunda, do GNT, me pediu para gravar um vídeo sobre etarismo. Fiz um vídeo de cinco minutos e enviei para ela. Na segunda, 27 de março, 22h30, lá estava eu no programa. Deram um espaço bem grande para a minha fala sobre as minhas pesquisas.

O apresentador, Manoel Soares, de 43 anos, achou linda a minha ideia de Revolução da Bela Velhice e o ator Vladimir Brichta, de 47 anos, adorou quando falei sobre a diferença do envelhecimento para homens e mulheres.

Tudo lindo? Que nada!

Fiquei chocada com a minha imagem na tela. Com uma camiseta branca, sem maquiagem, o cabelo em um coque improvisado, vi o retrato da minha velhice depois de três anos de pandemia: os braços flácidos e ressecados, as pálpebras caídas, o coque de velha. Milhares de pessoas devem ter pensado: "Nossa, como a Mirian envelheceu. Quem te viu antes da pandemia, quem te vê agora".

E a culpa é minha. Eu poderia ter vestido uma blusa de manga comprida e escondido os braços. Poderia ter cortado o cabelo que está na cintura e feito uma escova. Para piorar, meu marido, que é produtor audiovisual, me deu uma bronca: "Já falei milhões de vezes para você aprender o básico da maquiagem. Qualquer pessoa fica horrível na TV se não disfarçar as rugas, manchas e imperfeições. E está mais do que na hora de cortar o cabelo".

Se arrependimento matasse. Estou morrendo de vergonha e a culpa é minha!

Quantas pessoas me viram no programa? Será que riram de mim: "Como essa velha ridícula tem coragem de falar de Revolução da Bela Velhice?".

No mesmo dia, o jornalista Mario Sergio Conti me convidou para falar sobre etarismo no seu programa Diálogos na Globonews. Depois do choque de ver a minha velhice na TV, vou ter que me preparar com muito mais cuidado para participar do seu programa: cortar o cabelo, fazer escova, usar uma blusa de manga comprida e perguntar se tem maquiagem para os convidados. Acho até que vou deixar os óculos na mesa.

O maior paradoxo da situação é que no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, lancei meu novo livro "A Arte de Gozar: amor, sexo e tesão na maturidade" e li o Manifesto das Velhas Sem Vergonhas:

A velha sem vergonha está se divertindo com tudo o que conquistou com a maturidade: liberdade, felicidade, beleza, autonomia, alegria, amor, amizade, sucesso, poder, coragem.

A velha sem vergonha quer rir, brincar, gozar, dançar, cantar, viajar, curtir as amigas e os amores, cuidar da saúde, ter qualidade de vida.

A velha sem vergonha descobriu que a felicidade não está no corpo perfeito, na família perfeita, no trabalho perfeito, na vida perfeita, mas na coragem de ser ela mesma.

A velha sem vergonha sabe que não deve jamais se comparar a outras mulheres, porque cada mulher é única, especial e incomparável.

A velha sem vergonha não sente inveja da juventude, pois sabe que a jovem de hoje é a velha de amanhã.

A velha sem vergonha quer namorar quem ela bem entender, fazer amor quando quiser e beijar muito na boca. Ou pode não querer nada disso.

A velha sem vergonha quer vestir a roupa de que mais gosta, mesmo que seja considerada velha demais para usar biquíni, minissaia, shorts, jeans, camiseta, tênis, cabelo branco, amarelo, azul, rosa e todas as cores do arco-íris.

Pessoas dançam em conjunto
Programa de dança com idosos - Robert Cinconze

A velha sem vergonha não tem medo de ser xingada de velha ridícula, pois já descobriu que é uma delícia ser uma velha ridícula.

A velha sem vergonha aprendeu a ligar o botão do foda-se para o que os outros pensam e passou a ter a coragem de dizer não.

Nós, velhas sem vergonhas, convocamos todas as mulheres que estão cansadas de sofrer com os próprios medos, preconceitos e inseguranças a se unirem ao nosso grito de guerra: "velhas sem vergonhas unidas jamais serão vencidas. Fodam-se as rugas, as celulites e os quilos a mais!".

Site Avós da Razão
Site Avós da Razão - Reprodução

Milhares de mulheres (e alguns homens também), de todas as idades, já assinaram o Manifesto das Velhas Sem Vergonhas no site www.avosdarazao.com.br. Apesar de ser a autora do manifesto lúdico e libertário, ainda tenho muitos medos, inseguranças, culpas e vergonhas da minha própria (e nada bela) velhice. Como escreveu Annie Ernaux, de 82 anos, Prêmio Nobel de Literatura de 2022, "o pior da vergonha é que achamos que somos os únicos a senti-la".

A Nobel de Literatura Annie Ernaux - News Agency/Pontus Lundahl via Reuters

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