Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'É tanta desgraça que você fica sem fala', diz Marjorie Estiano sobre tragédias no Rio

Atriz lembra do choque ao visitar hospitais públicos para se preparar para série 'Sob Pressão'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marjorie Estiano no Parque Lage

A atriz Marjorie Estiano, no Parque Lage, no Rio de Janeiro Raquel Cunha/Globo

Marjorie Estiano lembra da aflição que teve ao visitar hospitais públicos quando se preparava para o papel da médica Carolina, que interpreta na série “Sob Pressão”, da TV Globo.

“Você fica muito penalizado pela população que está sujeita a isso [ser atendida nesses locais]. Elas estão lá porque faltou todo o resto, porque o Estado não supriu com o que elas precisavam”, diz a atriz curitibana de 37 anos.

“Fui a alguns locais em que o centro cirúrgico não tinha porta. Ou no qual tinha acabado a água do banheiro”, lembra.

“E na ignorância as pessoas vilanizam o SUS [Sistema Único de Saúde], dizendo que não funciona. A questão não é o sistema, é a verba que desviam e roubam. Saúde, junto com educação, é onde mais roubam.” 

Além do contexto nacional, ela, que se estabeleceu em definitivo no Rio de Janeiro em 2010, enxerga com tristeza a série de tragédias que ocorreram na cidade nos últimos dias, como as fortes chuvas e o caso em que militares do Exército dispararam mais de 80 vezes contra um carro, matando um homem

“Você não sabe o que priorizar no Rio para se manifestar contra. Tem tanta desgraça ao mesmo tempo que você fica sem fala. Como priorizar o que é já prioridade?”

Ela completa dizendo que não enxerga nas gestões atuais propostas de melhorias, mas só justificativas que atribuem falhas aos governos anteriores. “Existe essa mentalidade de momento, sem pensar em construir algo para levar adiante, para o futuro.” 

Nesse sentido, a atriz acredita que “Sob Pressão”, que expõe a realidade da saúde pública brasileira, acaba cumprindo um papel de denúncia da situação da área. A terceira e última temporada do programa estreia no dia 2 de maio.

Na trama, a personagem de Marjorie lida com um trauma de abuso sexual na infância e provoca ferimentos em si mesma. “Uma das coisas mais chocantes foi ver o quão fácil era conseguir material sobre isso [durante a preparação para o papel]. Era só jogar na internet ‘crianças que foram abusadas’ e apareciam milhões de coisas.”

“Recebi diversas mensagens de mulheres que foram abusadas na infância ou que se automutilavam dizendo que elas se sentiam vistas, percebidas e respeitadas na história.”

O tema que mais “a perturba” e que foi retratado na trama é o do abuso sexual. “Vi como isso é comum. E como a capacidade de destruição e corrosão dessa violência é duradoura.”

“Um amigo meu me falou assim: ‘Cara, é insalubre você viver as doenças dos seus personagens’. E é um desgaste muito grande mesmo. É muita violência, frustração, cansaço físico e emocional diário e intenso.” 

O papel lhe rendeu o prêmio de melhor atriz de televisão pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 2018. “Independentemente de premiações, sinto um respeito grande por esse trabalho. Principalmente por ter um retorno das pessoas que viveram e vivem essa realidade com muito mais propriedade do que eu.”

“Sou a minha maior crítica, desde criança foi assim. Você entra em uns questionamentos. A nossa ideia de capacidade oscila às vezes, né? Acompanhar essa dinâmica é um pêndulo: às vezes, você tá mais pra lá, às vezes mais pra cá”, diz, enquanto balança a mão de um lado para o outro no ar. 

Marjorie afirma que sua profissão é um “organismo vivo”. “Você nunca vai ter descoberto tudo o que existe. É um caminho contínuo de descobertas. Estudo continuamente, independentemente do papel.” 

“Embora seja uma realidade de todo mundo, o meu contato [com a área da saúde]  sempre foi terceirizado: por meio da televisão, do jornal ou de uma observação passiva”, explica, dizendo que frequentou “pouquíssimas vezes o hospital pessoalmente” e que nunca “quebrou o braço ou algo assim”.

Nas gravações, a equipe era acompanhada por médicos que supervisionavam passo a passo. “Existe toda uma técnica, o jeito correto de você segurar uma pinça, por exemplo. Tem muitos detalhes.”

 

Interpretar a personagem, diz, foi um marco e um divisor em sua carreira. Até mesmo “ressignificou a profissão” para ela. “É uma oportunidade rara o ator poder interpretar uma personagem e enxergar concretamente o alcance e o propósito dela para o espectador.” 

“A notoriedade te expõe muito e eu sempre fui muito reservada. Ela te obriga a ter opinião sobre absolutamente tudo, parece que você vira referência. E você é uma pessoa como qualquer outra”, diz. 

“Me considero uma operária da minha profissão. Não usufruo [da condição de celebridade], não vejo benefícios pra mim. Mas também não julgo”.

Ela diz que a classe artística não deve ser obrigada a se manifestar sobre política, por exemplo. “Os artistas são referência para muita gente e isso é delicado. Prefiro me colocar pessoalmente, no meu dia a dia, ou no meu compromisso com a minha postura do que utilizar mídias sociais ou incitar. Prefiro fazer isso dentro do meu cotidiano.”

Durante as últimas eleições, a atriz chegou a postar em uma rede social um vídeo da campanha #EleNão, contrária a Jair Bolsonaro (PSL).

Ela diz achar que o presidente da República poderá promover diversas dificuldades para o setor cultural dentro de seu mandato —que ela “nem sabe se será concluído”. “Esse tratamento que o governo está dando aos artistas é justamente porque ele sabe a relevância deles na construção de um cidadão mais questionador e autônomo.” 

Marjorie atribui o discurso de que artistas “mamam na Lei Rouanet” ao “repetir da grande ignorância da população que não conhece a lei”. Acha que a norma apresenta falhas mas faz muita diferença na produção cultural. Sobre mudanças na lei que podem significar mais cortes para a área, avalia que “independentemente de termos investimentos ou não, sempre vão existir artistas subversivos”. 

“Eu passeio por ali [categoria de artistas subversivos] e por diversos lugares. Queria ter um crachazinho de liberdade de trânsito em qualquer área [risos]. Habito tanto o lugar do entretenimento absoluto quanto o que vai exigir das pessoas mais estômago”. 

“Coerência é fazer o que te instiga. Não pertenço e nem tenho interesse de pertencer a nenhum nicho específico: atriz de cinema, de teatro, de televisão. Eu sou atriz”, diz.

Com o fim de “Sob Pressão”, ela conta que tem alguns projetos no horizonte, mas sem data definida, para o teatro e a TV. O filme “Beatriz”, que gravou em 2013 sobre uma advogada que é casada com um escritor de contos eróticos, também será lançado em maio.

O longa foi exibido em alguns festivais em 2014. Desde então, ela nunca mais reviu o trabalho. “Com o distanciamento, você acaba ficando mais livre para se entregar na história como espectador e não como atriz que fez [a obra].”

“Tudo o que não conheço e que não fiz me instiga muito. Me obriga a descobrir coisas novas sobre mim e isso me expande. É difícil, tem um lapidar, um sofrer ali para encontrar um lugar do novo.”

Marjorie diz ter saudades de seu lado musical, que hoje ocupa um lugar “coadjuvante” em sua carreira. Seu terceiro álbum, o mais recente, intitulado “Oito”, foi lançado em setembro de 2014.

“Como tenho tido uma demanda muito grande como atriz, isso acaba me distanciando um pouco. Mas a música vive comigo o tempo inteiro.” 

“É como uma relação com uma amiga que você não vê há muito tempo e quando encontra prometem se ver mais e com maior frequência no ano que vem. Vamos ver quando eu consigo colocar em prática essa promessa.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.